A
uma, conheci-a após o falecimento do marido. Tinha passado vinte anos a cuidar
dele, um alcoólico em espiral destrutiva —
despindo-o quando não era capaz, deitando-o, ou até levantando-o do chão, com a
força que não tinha. A outra, conheci-lhe a história de outra maneira; conta
ela que sempre viveu para a mãe —
mulher deprimida, cocainómana, fazendo vigílias à sua cabeceira nos dias em que
esta não saía da cama ou indo buscar o “produto” quando era necessário.
Há
milhares de histórias assim. São histórias de pessoas cuja vida gira não em
torno de si e dos seus sonhos mas em torno da disfuncionalidade de um outro. Pode
parecer preocupação ou altruísmo, mas quando nos destrói a possibilidade de
viver a nossa vida, é preciso parar: o que muitas vezes não acontece. Há
ligações em que não há limites, nem dum lado, nem do outro. Então, há quem
chame, a este funcionamento, a co-dependência, isto é, estar emocionalmente
dependente (no sentido de excessivamente ligado) desse outro.
É
frequente acontecer em famílias em que um dos elementos tem consumos de
substâncias (drogas ou álcool); aí, o indivíduo co-dependente emerge como o
responsável pela “salvação” do seu outro significativo, o que tantas vezes se
revela uma expectativa pouco realista ao longo do tempo. Mas a co-dependência
não aparece apenas em torno do abuso de substâncias químicas. Por exemplo, se
um dos meus pais é infantil, irresponsável, gasta todo o dinheiro que ganha, e eu sinto que tenho que tomar conta dele,
controlar os seus passos, salvá-lo de si mesmo — isso é ser co-dependente. Se o meu
companheiro está permanentemente insatisfeito e infeliz e eu vivo para tentar
animá-lo ou gratificá-lo, isso é co-dependência. No fundo, é deixar que a vida
do outro se torne a minha vida, que o problema do outro se torne o meu problema
e, muitas vezes, sem que a pessoa em questão faça alguma coisa para o resolver.
De
uma forma geral, podemos enumerar assim os pontos-chave da problemática da
co-dependência (ou dependência afectiva): a) Sentir-se responsável por outras
pessoas – pelos sentimentos, pensamentos, acções, escolhas, desejos,
necessidades, bem-estar, e até pelo seu destino; b) Sentir ansiedade, pena e
culpa quando a outra pessoa tem um problema; c) Sentir-se compelido – quase
forçado – a ajudar a resolver o problema; d) Ter raiva quando a nossa ajuda não
é eficiente; e) Comprometer-se demais; f) Culpar o outro pela situação em que estamos;
g) Achar que a outra pessoa está a levar-nos à loucura; h) Sentir raiva, sentir-se
vítima, como se não tivesse liberdade de escolha.
Claro está que nem todas as forma de apoio e compreensão são
problemáticas, porém, é preciso perceber se nos tornámos os principais responsáveis
por quem não quer tomar conta de si mesmo. Esse é um lugar de grande sofrimento
e que também não ajuda a resolver o comportamento patológico da
pessoa-problema.
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