Naquele tempo acordava várias vezes por noite com o coração
transpirado. Era como se ele trabalhasse arduamente durante aquelas horas mais
escuras, enquanto o corpo inerte descansa. Imaginei-o de mangas arregaçadas,
expressão séria de profunda concentração, envolvido em limpezas de fundo e
outras coisas que durante o dia não tem tempo de fazer, como as obras nas autoestradas,
que acontecem sempre pela madrugada fora. Imaginei-o ainda em arrumações
necessárias e organização logística
do que estaria por vir. Chamou-me à atenção este assunto pois tornou-se
matemático que a meio da noite ele precisava de limpar a testa com a palma da
mão e sossegar um pouco. Bebia um copo de água e, quando eu adormecia, ele
recomeçava. Senti um enorme respeito. Sabia que eram tempos conturbados e
atingiu-me que havia certamente muito trabalho a fazer lá por dentro, tarefas
de uma complexidade cósmica. Achei que se lhe perguntassem ele diria com toda a
certeza que ser coração ali nunca tinha sido propriamente fácil, que era um
trabalho exigente e que havia picos de grande turbulência. Desconfio que nem
sempre recebia o necessário. Ainda assim, eram desafios que ele tinha sempre a
competência de superar. Ainda assim, se lhe perguntassem, ele não quereria ser
coração do lado esquerdo do peito de mais ninguém.
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