Todos precisamos, em determinados momentos, de contenção — capacidade de aguentar estados emocionais muito intensos de forma relativamente integrada. A contenção permite que, em vez de os agir irrefletidamente, possamos elaborar esses estados emocionais (“digeri-los” mentalmente, absorver o que interessa e eliminar o restante).
Mas para que tal capacidade
se desenvolva dentro de nós, precisamos, antes de mais, de quem nos contenha
durante o nosso crescimento. Começa assim, de pequeninos, como quase tudo.
Começa com alguém que aguenta, com uma mistura de amor, sensibilidade e firmeza,
as nossas “coisas”: o nosso choro, a nossa angústia, a nossa vitalidade, a
nossa força, a nossa agressividade, a nossa tristeza, a nossa zanga. É,
portanto, alguém que está connosco durante os momentos mais intensos, não
apenas fisicamente, mas integralmente: presente de forma inteira. E que,
necessariamente, não fique mais aflito ou transtornado do que nós: alguém que
não se desmorone com as nossas questões mais difíceis.
Há uma coisa muito
importante: distinguir conter de reprimir e/ou de controlar. Reprimir é
impedir, impedir que as crianças expressem as suas emoções livremente (“não
chores”, "não fiques assim", "não te quero ver nesse
estado", "não tens razão para isso", "que disparate").
Controlar, por outro lado, é evitar. É fazer tudo para que as crianças não
sofram, não se angustiem, não sintam coisas difíceis. É interferir com a
realidade e resolver os problemas por eles. Conter é outra coisa. É deixar
acontecer sem interferir e lidar adequadamente com isso: estar com o outro, ou
escutar, ou abraçar, ou conversar, ou ajudar a pensar, consoante as situações.
Contudo, mesmo que tenhamos
crescido num ambiente emocionalmente saudável e que a nossa capacidade de lidar
com as emoções seja até bastante ajustada, haverá muitos momentos,
demasiado difíceis e inesperados, em que precisaremos sempre de contenção
externa. Nem sempre estamos capazes de aguentar sozinhos todos os desafios que
surgem cá dentro do peito. Nestas alturas, voltamos a precisar de um pouco de
"colo", como quando éramos pequeninos. Esse colo simbólico é feito da
mesma matéria que o colo físico. Disponibilidade — quem nos oiça refilar ou
“falar colorido”. Diálogo — quem nos ajude a dar nome às emoções, porque
alfabetizá-las é também contentor; as palavras contêm. Silêncio — há
olhares de entendimento e empatia que contêm. Abraços — há gestos e
toques que nos seguram, que nos mantêm inteiros. Limites — por vezes,
perante o medo de nos partirmos em pedaços, queremos agir ou fugir e precisamos
de quem nos segure e diga “não vais fazer nada nesse estado, vais respirar
fundo e pensar melhor no assunto”. Há “nãos” que contêm. No fundo, uma
contenção é sempre um limite. Uma espécie de "cerca" que nos protege,
segura e organiza, mas que não reprime. É esta sublime diferença que nos
permite transformar estados emotivos primários num pensamento mais elaborado
sobre nós mesmos, construindo e não destruindo.
E como tecto organizador de
tudo encontramos, naturalmente, a relação, isto é, o amor. A substância que
tudo cura e o único lugar onde a verdadeira contenção acontece. É a boa
relação que nos contém. É, sobretudo, o amor — bom, maduro, sensível,
firme, atento, intuitivo — dos outros por nós, que nos contém. É
o que nos lembra que estamos juntos haja o que houver. É o nosso abrigo, o
nosso colo, o nosso abraço, a nossa casa. Enquanto houver uma única pessoa
no mundo que nos queira e trate bem assim, jamais ficaremos sós.
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