— Um, dois, três, duzentos e cinquenta e
sete, cinco mil setecentos e quarenta e nove: quantos beijos cabem na vida?
— Talvez quarenta milhões? (sorriso) Não
sei. Curtos ou longos? Tudo depende da duração. Num dia cabem mil quatrocentos
e quarenta beijos de um minuto ou um beijo de mil quatrocentos e quarenta
minutos. Tu é que escolhes.
— Tens razão. Isso da duração importa.
Fizeste-me lembrar também daqueles beijos que ficam connosco já depois de se
irem, sabes? E às vezes até se cruzam com outros que hão-de vir: "Olá,
ainda por aqui?".
— É, há beijos que se demoram e acho até
que alguns nunca acabam. Mas a memória de um beijo vale por um beijo, não?
— Olha que não sei. Cada beijo lembrado
pode contar como um novo beijo. Podemos escolher também aqui.
— Hum. E incluindo beijos de que tipo?
— De todos. Dos beijos dados, dos beijos
roubados, dos beijos perdidos e dos achados. Dos beijos que procuram e dos
beijos que encontram. Dos que fracturam e dos que reparam. Dos que rompem e dos
que ligam. Dos beijos que acordam, dos que adormecem. Dos que se encontram à
esquina e dos que chocam de frente. Dos de passarinho e dos de corpo inteiro.
Dos enternecidos e dos apaixonados. Dos que nos esclarecem e dos que nos
confundem. Dos que quase enlouquecem, no bom sentido. Beijo é sempre no bom
sentido. Dos beijos que acalmam e dos que assustam. Dos que respiram e dos que
sufocam. Dos beijos que nos dissolvem, sabes? Dos beijos-buracos-negros que
acabam com a gravidade e nos sugam em espiral para lá do tempo e do espaço. Dos
beijos que desaparecem. E dos que nos perseguem. Perseguem. Perseguem.
Perseguem.
— Mas queres fazer contas ou escrever um
poema?
— Pois se calhar a matemática não se
aplica a isto. Teríamos ainda a questão dos beijos sonhados.
— Também querias ir por aí?!
— Claro. Quero ir por todos os lados.
— (sorriso)
— ah! E o beijo dos beijos. Teríamos que
contar com o beijo dos beijos.
— Qual?
— Tu sabes. É aquele que não se pode
lembrar...
— O que há-de vir?
— Pois. Também não custaria nada. É só
somar um no fim.
— (sorriso) Qual fim? Contigo será
impossível contabilizar beijos.
— Se calhar. Que se lixem as contas. O
que importa é que é sempre a somar. E para que não haja desperdícios lembra-te
disto que é importante: um beijo que não se dá é um beijo que não se deu.
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