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terça-feira, 7 de abril de 2015

Os rebanhos

A história de um rebanho começa sempre no seu pastor. Neste caso, faremos uma viagem à mente enlouquecida de um homem, L. Ron Hubbard, que achou que podia e devia salvar a espécie sabe-se lá do quê (dèja vu?). Se calhar queria salvar-se a si mesmo e de si mesmo mas isso não podia saber ou aceitar. Então parece que pessoas assim constroem estes impérios de devaneios na exacta medida do seu desespero.
Depois o pastor morreu e outro o substituiu mas o rebanho permaneceu. 
Chamamos-lhe rebanho quando deixa de existir a possibilidade de pensamento e/ou divergência. Ou seja, o que merece mais atenção é que vamos encontrando ao longo da História certos sistemas de crenças que capturam emocionalmente e fazem das pessoas aquilo a que poderíamos chamar reféns-de-livre-vontade. É aquilo a que chamamos uma lavagem cerebral. E isto repete-se, em maior ou menor escala. Mudam as circunstâncias e os ideais vendidos mas repetem-se os mecanismos psicológicos que prendem (bem como os que facilitam deixar-se prender). De um lado estamos no campo da manipulação. Da mentira psicótica. Do poder, controlo e domínio do outro. Estamos no campo da doutrinação. Estamos no campo da loucura que infelizmente se propaga quando encontra terreno fértil — a mentira mágica e omnipotente pega bem quando encontra uma mente que procura ser guiada e ver-se livre da responsabilidade do rumo da sua própria vida; mente onde habita uma alma perdida em busca de um sentido para a sua vida, seguramente frágil e carente de uma identidade, talvez também de afecto, reconhecimento e pertença. Este é o outro lado. Traduz-se num gesto que podia ser um encolher de ombros que finalmente encontra uma mão aparentemente sólida a que se agarrar e que repare o narcisismo danificado fazendo-o sentir parte de algo "maior", ainda que o preço seja elevado. Depois é só caminhar com o rebanho e é um pequeno passo até permitir que frutifiquem as ilusões e que se permitam os abusos, a si e aos seus, sem questionar, sem querer ver. Se perguntamos às pessoas porque permanecem ali ou porque fazem o que fazem a resposta será papagueada e, em última análise, não saberão sequer responder. Está aquém do pensamento.

E assim, uma e outra vez regressamos ao conceito de “banalidade do mal” de Hannah Arendt para que não sobrem dúvidas que a falta de capacidade crítica, de um “aparelho pensante” (como lhe chama Coimbra de Matos) é o pior inimigo do Homem. Como diz, no fim do documentário, um dos entrevistados: “If we believe in something we don’t really have to think for ourselves, do we?”.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Acção e Contemplação


Há pessoas que são como cascatas. Atiram-se ao mundo, fazem barulho, e exteriorizam muito. A sua energia está mais dirigida para fora do que para dentro. São pessoas extremamente comunicativas e activas, que expressam com facilidade as suas opiniões e tentam impor suas ideias. São vivaças, ruidosas, expansivas. Fazem propaganda com facilidade. Outras pessoas são como serenos ribeiros. Apresentam uma intensidade diferente na forma de estar e de viver. São minimamente sociáveis mas gostam mais de ouvir do que falar. São mais contidas e mais introspectivas. Não buscam aparecer. Todo o seu corpo fala mais baixinho. Podemos dizer que o primeiro tipo tende mais para a acção, e o segundo, para a contemplação.
Vendo por outro prisma, do lado mais expansivo há, por vezes, o perigo de carência de vida interior, de profundidade e de capacidade de pensar. A pessoa pode agir demais e elaborar pouco, adquirindo pouca consciência de si. Ao querer impor-se demasiado nem sempre escuta o outro e o mundo. Do outro lado, mais recatado, há o perigo de nos tornarmos um poço de águas paradas, há o risco de estagnação. O excesso de introversão pode resvalar para a ruminação ou para o isolamento. Podem mesmo existir sérias dificuldades de expressão e, consequentemente, de afirmação e de capacidade de criar (pela acção).
Contudo, uma vez que na actualidade o agir predomina sobre o contemplar, a falta de reflexividade é o risco mais iminente. A maioria das pessoas, engolidas por um mundo de solicitações constantes do exterior, têm pouco tempo, espaço e disponibilidade para olhar para dentro.  Muitos, principalmente nas gerações mais novas, já não são educados para isso nem sabem como fazê-lo. No entanto, é fundamental serenar para ganhar perspectiva das coisas. De nós e da vida que levamos. Pede-se hoje iniciativa, empreendedorismo, mas o agir sem reflexão prévia não será o melhor caminho. É sempre preciso desconfundir acção e impulso para não embarcarmos numa "fuga para a frente", ou seja, num agir para não pensar.
Por isso, é importante abandonar o bulício urbano por um dia que seja. Encontrar um porto de abrigo e reparar como longe do ruído é mais fácil ganhar visão e escutar o que diz a alma. O objectivo não é permanecer na contemplação, mas sim utilizá-la como trampolim para a acção, uma acção mais verdadeira. Dentro de nós há sempre um anseio pelo equilíbrio. Queremos dar e receber, comunicar e compreender, conseguir agir, poder sentir e saber pensar. Precisamos de uma vida interior rica mas ao mesmo tempo queremos ser capazes de realizar algo que outras pessoas possam reconhecer e receber. Passar a vida a agir sem pensar ou passar vida a pensar sem agir são os dois extremos que devemos, a todo custo, evitar.