O que define uma perversão (ou parafilia)? Clinicamente, o que é um indivíduo perverso? Uma perversão pode ser entendida como uma perturbação crónica do comportamento sexual, em que a expressão de uma “pulsão perversa”, de natureza agressiva, é condição necessária para que o sujeito atinja a excitação sexual e o orgasmo. De outra forma, não sente qualquer prazer, pois o prazer não está ligado aos afectos, às relações humanas ou à intimidade. Podemos talvez dizer que, no mundo interno do sujeito, a sexualidade e a agressividade estão “confundidas”, estando essas experiências sexuais muito aquém daquilo que é verdadeiramente uma sexualidade adulta.
Uma das características básicas do perverso é a ausência de consideração pelo outro, este só serve ao perverso para descarga (sexual e agressiva). Esta instrumentalização/desumanização do outro implica não tomar em conta a sua vontade e o seu desejo; aliás, quanto mais o perverso desvia o outro das suas práticas habituais, mais gratificante se torna o acto. Assim, a sexualidade é um acto solitário, maioritariamente masturbatório, já que, incapaz de vivenciar a intimidade, não existe a ligação ao outro.
Verifica-se com frequência que, na história do perverso, entre mãe e criança o vínculo foi agressivo, e não de amor. Diz-se que a perversão é a patologia do ódio, porque o vínculo com o objecto primário é um vínculo de ódio. Para Stoller, a perversão é uma forma erótica de ódio, em que o meio utilizado para descarregar esse ódio é a humilhação e agressão do outro (representando esses comportamentos o ódio inconsciente ao objecto materno). Para além disto, há no perverso uma ferida narcísica (ou seja, inconscientemente, o sujeito não se ama a si mesmo, sentindo-se inferior) fundamental para a compreensão desta patologia. Tendo por base um vínculo de ódio, a relação básica entre mãe e filho falhou e este foi maciçamente desnarcisado – foi rejeitado/mal-amado. Essa desvalorização primária a que foi exposto faz com que o perverso, enquanto adulto, humilhe o outro, vingando-se pelo ataque como forma de reconstruir o seu próprio narcisismo.
Há várias manifestações de perversões, sendo as mais faladas, o sado-masoquismo, o exibicionismo, o fetichismo, o voyerismo e os abusos sexuais (incluindo a pedofilia). Contudo, qualquer comportamento sentido como um desvio sexual, poderá (ou não) ser uma perversão, dependendo da situação. Importa dizer que, para se estabelecer o conceito do que é um desvio, é preciso uma fundamentação a respeito da normalidade. O que distingue, na prática, uma sexualidade “normal” de uma sexualidade perturbada? Pergunta difícil, pois as considerações de normalidade e convencionalidade são afectas ao tempo e aos costumes. Contudo, sabemos que há limites intemporais à nossa expressão sexual, nomeadamente, o dever de respeitar a vontade e a liberdade do próximo.