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segunda-feira, 17 de julho de 2017

A Ditadura da Eficiência


Eficiência e eficácia são dois conceitos muito utilizados na gestão de empresas. A eficiência avalia como se faz, pressupõe dinamismo e rapidez. Uma operação é eficiente quando gasta o mínimo de recursos para obter um dado resultado. A eficácia, por sua vez, avalia até que ponto se alcançou o resultado, independentemente da forma como se obteve. Pressupõe durabilidade e qualidade.
Em gestão empresarial, é muito importante que uma empresa seja eficiente, pois consegue produzir a custos inferiores. É natural que, na sua maioria, as empresas procurem também a eficácia, isto é, cumprir objetivos. Assim, para tal, uma das exigências de hoje em gestão empresarial é a contratação de mão-de-obra extremamente qualificada: profissionais com um perfil de competências que permita acompanhar um mundo cada vez mais competitivo. Mas o que acontece quando começamos a aplicar a lógica empresarial à vida de cada um de nós?
É que andamos a olhar a vida como se fosse uma empresa: cada vez mais exigentes com o tempo que demoramos a fazer coisas ou a atingir resultados. Costuma dizer-se que “rápido e bem não há quem” mas tal ditado parece esquecido nas malhas da omnipotência do séc. XXI. Olhamos as pessoas à luz da gestão. É a ditadura da eficiência e a busca da máxima eficácia aplicada à história pessoal de cada um: quantas metas já atingiste e quanto tempo demoraste a chegar? Olhamos uns para os outros de forma competitiva, como se as vidas se avaliassem segundo uma qualquer checklist ou como se nos posicionássemos segundo uma espécie de ranking. Negamos assim a diversidade,  tão fundamental ao equilíbrio das espécies. Esquecemos que é legítimo existirem possibilidades diferentes (e todas válidas) para todas as vidas. Um pouco em todos os contextos pede-se sobretudo eficiência, que sejamos rápidos a resolver situações e/ou a concretizar sonhos. 
Na saúde mental, embora saibamos que o uso de psicofármacos por si só não trata a maioria das patologias muito menos resolve questões de fundo da personalidade de cada um, continuamos a prescrever como forma de tratamento. O objectivo é minimizar os sintomas, de forma rápida: “apagar” a depressão nos adultos e controlar a agitação nas crianças, ainda que não se entenda verdadeiramente o que entristece ou agita as pessoas.

O ser humano é complexo, e complexos são os seus processos. O ser humano demora tempo a formar-se. É preciso tempo para construir projetos consistentes ou desconstruir as dores da vida. O mundo não quer desperdiçar um segundo mas sabemos, felizmente, que há ainda quem nos ensine ou apoie a ser feliz na diferença e/ou a abordar os sonhos devagar, como na fábula da lebre e da tartaruga. Há quem não se submeta à pressão dos números, quem olhe para as pessoas e veja o que elas precisam: e, às vezes, precisam de tempo. Tempo para crescer, tempo para sofrer, tempo para saber, para aprender, para compreender, para ser seja lá o que for.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Bala de Canhão


Recordam-nos que quase tudo é possível — eles sabem melhor que nós que os monstros existem e ensinam-nos que é preciso acreditar em magia uma vez por outra. Reconduzem-nos o olhar para baixo — eles mostram-nos que quem ergue demasiado o queixo perde a noção do chão e tropeça mais. Relembram-nos que é preciso sonhar — eles levam-nos em altos vôos no Bala de Canhão mesmo que o nariz fique todo amassado das mil vezes em que se despenha a pique. Que todos possam ter sempre uma criança por perto para mantermos fresco o nosso pensamento e doce a nossa alma. Eu cá tenho muita sorte!

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Umbigos




          O narcísico, como o autista e o psicótico – não fossem todos eles egocêntricos –, julgando ver o mundo, não vê senão a sua barriga. Para ele, o centro do mundo é o próprio umbigo; pelos outros não se interessa minimamente, não o preocupam nem o ocupam, é como se não existissem – a não ser na medida em que lhe possam ser úteis  (o seu investimento objectal é apenas funcional ou instrumental – o outro é usado como um instrumento, para realizar uma função de que não dispõe ou é débil). Centra-se em si mesmo, gravita à volta da sua nulidade, pensando – talvez – que com isso pode acender o pavio da sua humanidade extinta. Sim, porque a humanidade gera-se no interesse pelos outros humanos; de contrário, não existe: apaga-se ou não chega a nascer. 
        Mas quem disse “nascer”   “existir”? Responde-se: nasce-se no “útero mental” do objecto, no pensamento e no afecto de quem nos deseja, ama e sonha, de quem gosta e aposta em nós; vive-se, existe-se, se esse investimento em nós persiste.
        A tragédia da desordem mental, seja ela a doença com sintomas ou a perturbação da personalidade com traços patológicos, é esta: a falta ou a perda desse “ninho da alma”, dessa “Terra Prometida”.

António Coimbra de Matos (in reflexão “Princípio e Continuação”)

sexta-feira, 18 de maio de 2012