Fala-se muito da importância de
colocar limites às crianças. Esta expressão ficou bastante associada à
imposição de regras, deixando na penumbra outro tipo de limites, tão ou mais
importantes: a intimidade e a privacidade de cada um. A intimidade e a
privacidade são dois conceitos importantíssimos à estruturação psíquica do
sujeito, duas fronteiras básicas da individualidade do ser humano.
Dentro da mesma casa, ou seja, partilhando
espaços físicos, há tendência a confundir o espaço de cada um. Por vezes, os
adultos não sabem como é importante ter alguns cuidados, invadindo o espaço das
crianças, outras vezes, permitindo em excesso que a criança invada o seu
espaço. Se as crianças pudessem defender-se, diriam então: “Pressinto que há
coisas minhas que não te dizem respeito e que há coisas tuas que não quero
saber; que há momentos e lugares meus onde não podes entrar e momentos e lugares
teus que não quero presenciar. Eu ainda não sei muito bem o quê mas tu, que és
crescido, ajudas-me com esta tarefa?”
O filtro tem de ser, em primeiro
lugar, uma competência dos adultos. É importante respeitar a intimidade da
criança, ensinando-a, aos poucos, a reservar (e preservar) tudo aquilo que é
seu. Como se ensina isto? Pelo exemplo, como tudo o resto. Se uma criança está
na casa de banho, não há que irromper pelo espaço sem pedir licença. Criança ou
não criança, o respeito é o mesmo. E antes de entrar no quarto, não custa nada
bater à porta e perguntar: “Posso?” É que, por vezes, os adultos têm tanta
necessidade de controlar as crianças que as desrespeitam profundamente. Quantos
pais já terão lido o diário das suas meninas? Quantos pais já terão espiolhado
os telemóveis dos seus filhos? Quantos pais já terão desejado ser confidentes
absolutos dos filhos? Não havendo qualquer indício de problemas, para quê e
porquê fazê-lo?
Também os pais devem reservar para
si aquilo que é seu. Mas quando confrontados, muitos adultos respondem: “Eu
também não me importo que o meu filho entre no meu quarto sem bater, nem que queira
saber de tudo da minha vida. Não tenho nada a esconder.” Tudo bem. Mas não acham isso estranho? Não se trata de esconder, mas de valorizar o que é meu e poder
distingui-lo do que é do outro. De perceber que estas confusões em nada medem o
amor e os afectos, apenas revelam tentativas de controlar angústias que ora são
dos adultos, ora das crianças, e que é preciso contê-las de outra forma. Que
saibamos que amar o outro é respeitar a sua individualidade, permitir-lhe uma
existência diferenciada. Para isso, lutamos contra os nossos medos, se preciso.
Pelo direito a não se deixar invadir e respectivo dever de não invadir também.
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