Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
quinta-feira, 25 de junho de 2015
terça-feira, 23 de junho de 2015
Conformismo, Acomodações e Outras Histórias
I)
— “Conformei-me”,
disse-me.
Quando o conheci, parecia condenado. No
rosto, a ausência de esperança, na alma, a incapacidade de se afirmar senhor do
seu destino. Como mente bem, o Homem. Como se engana a si mesmo.
Como se defende e se justifica perante si próprio, como se ilude e finta o
julgamento que faz de si todas as noites. Como tenta não se olhar de frente no
espelho quando receia reconhecer ali os seus medos e incapacidades. Como quer esconder da sua alma que não foi
capaz de lutar por ela. Dói, o remorso. Dói, a impotência. Dói, o medo. Mas, no
íntimo mais íntimo de nós, sabemos.
— Conformaste-te
ou tens medo?
— Tenho medo. Eu
tentei mas era sempre tão difícil. Fui desistindo. Eu sonhava mas deixei de
sonhar. Conformei-me.
— O medo fez com que te conformasses e por te conformares abriste
caminho ao medo. O medo come tudo. Foi precisamente isso que te enfraqueceu. A
incapacidade de “continuar a ser”.
Por cada momento em que
nos falha a possibilidade de “ser” ou a coragem de “continuar a ser” matamos um
pedaço de nós. Ficamos mais frágeis e mais perdidos a cada “derrota” percebida.
E a cada batalha que recuamos, sabemos menos quem somos.
II)
— “Não sei porque me acomodei, disse-me.
A história repete-se. Quando a conheci era uma mulher, sobretudo, confusa. Não tinha ainda consciência
de que tinha deixado, há demasiado tempo, de ser feliz.
— Tu sentias mas acho que só agora consegues pensar sobre isso.
— Sim, eu já sabia. Eu sentia-me só mas não quis ver. E isso
deixa-me zangada. Comigo.
— Por cada pensamento
reprimido, por cada discussão adiada, por cada zanga amordaçada, por cada grito
silenciado, é um pedaço de ti que matas. Foi precisamente isso que te
enfraqueceu. A incapacidade de “continuar a ser”.
III)
Duas vidas. Várias vidas. O mesmo dia. O mesmo medo. O
medo de se permitir ser pessoa inteira. Como se faz? Por onde se vai? Então lembro-me do Alexandre O’Neill,
que sabia destas coisas do medo, companheiro da condição humana, e
contava, em parte, assim:
(…)
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos (…)
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos (…)
IV) Ou não.
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Winnicott
terça-feira, 16 de junho de 2015
Coisas Bonitas
Deixa-me fazer-te
cócegas. Deixa-me fazer-te rir. Deixa-me falar-te das coisas bonitas que passam
despercebidas. Deixa-me fazer-te sorrir no dia mais triste. Vem dançar comigo.
Deixa-me aquecer-te os recantos gelados onde o sol nunca entrou. Falo-te da
alegria de estarmos aqui no mundo ao mesmo tempo. Podíamos nunca nos ter
encontrado, já pensaste nisso? E agora, já sorris? Falo-te da graça escondida
nas cabeçadas que damos todos os dias aqui neste lugar onde nos enfiaram. É tão
tristemente engraçado. Falo-te da sublime arte de rir e chorar ao mesmo tempo.
Falo-te também da curta gargalhada dos momentos simples e ligeiros. Vá,
deixa-me fazer-te cócegas. Deixa-me fazer-te rir. Deixa-me fazer-te bem.
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sábado, 13 de junho de 2015
A pergunta do eterno retorno
Se pudéssemos repetir a nossa vida tal e qual como ela se desenrolou até hoje, desejaríamos fazê-lo? O sábio Zaratustra, de Nietzsche, vai mais além, e pergunta: “E se um dia ou uma noite um demónio fosse atrás de ti até à tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há-de retornar.” Que sentiríamos?
A ideia de repetir ciclicamente a mesma vida,
passando por tudo da mesma exacta maneira, pode funcionar como um exercício
importante para questionarmos a direcção e o sentido que temos dado à nossa aparentemente curta existência. Embora uma existência em loop seja, por si só, assustadora, a melhor hipótese seria fazer dela o mais agradável possível. Então, se fosse
garantido o nosso eterno regresso, exactamente nos mesmos moldes que na actualidade,
até onde estaríamos dispostos a mudar coisas por forma a assegurarmo-nos de uma
eternidade feliz? É importante ir questionando se o nosso percurso tem sido
fundamentalmente prazeroso ou se é, pelo contrário, insatisfatório, ou mesmo
terrível. Quantos de nós amam a sua vida? Ao fazer este balanço, o
propósito não é mergulharmos em lamentações quanto ao que já passou mas sim
dirigir o olhar para o que ainda pode vir. Amar o seu destino ou, mais
adequadamente, criar um destino que sejamos capazes de amar.
Porém, nenhuma transformação positiva pode ter lugar se vivermos exclusivamente agarrados à ideia de que a
nossa vida é como é por forças exteriores a nós: azar, má sorte, karma, sina, fado ou destino. A pergunta de Zaratustra obriga-nos a olhar a forma como pensamos as responsabilidades. Percebemos que o perigo de depositar a
responsabilidade da nossa caminhada (e/ou da nossa insatisfação) no universo ou em qualquer outro exterior a nós mesmos, é que a situação poderá não
sair do impasse. Então, se o demónio de Zaratustra nos condenasse, hoje, ao eterno retorno, continuaríamos no mesmo exacto lugar, estado e formato em que nos encontramos? Sentiríamos contentamento e satisfação em regressar à nossa existência assim como a temos conduzido? Ou seria um sufoco? E se assim for, seríamos passivos ou activos? Quanto tempo mais permaneceríamos no mesmo lugar? Até quando ficaríamos à espera? Até onde aguentaríamos? E se, efectivamente, nada acontecer? Nenhum milagre, nenhuma reviravolta fácil, nenhum chamamento ou insight? E se só nós somos responsáveis pela vida que levamos e pelos
pilares que a sustentam? Transformaríamos a nossa vida, perseguindo sonhos, concretizando projectos, assumindo desejos? A liberdade de escolher fazê-lo é
nossa. E a responsabilidade de escolher não o fazer, também.
É desconfortável pensar estas questões. É duro sentir este peso da hipótese mais certa: em última análise, os agentes da nossa felicidade e infelicidade somos nós. Que terrível sermos o nosso próprio carrasco. Sim, é desconfortável, mas é, garantidamente, o caminho possível nisto que é o curso da nossa vida. Sem essa consciência, mínima, talvez passemos o tempo que nos sobra à espera de algum milagre. Pode chegar. Ou não. Entretanto, é importante irmos aferindo o que se passa cá dentro. É preciso ouvirmo-nos a nós mesmos, escutar
a voz que às vezes soa baixinho e que tantas vezes ignoramos (escondidos na ideia de
que não há volta a dar ou no medo de tudo e mais alguma coisa) para que, caso o dito demónio nos obrigue a regressar, a coisa seja o mais simpática possível. E mesmo que não regressemos, mesmo que seja "só" isto, não será igualmente crucial aproveitar o melhor possível?
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segunda-feira, 1 de junho de 2015
Bala de Canhão
Recordam-nos que quase tudo é possível — eles sabem melhor
que nós que os monstros existem e ensinam-nos que é preciso acreditar em magia
uma vez por outra. Reconduzem-nos o olhar para baixo — eles mostram-nos que
quem ergue demasiado o queixo perde a noção do chão e tropeça mais.
Relembram-nos que é preciso sonhar — eles levam-nos em altos vôos no Bala de
Canhão mesmo que o nariz fique todo amassado das mil vezes em que se despenha a
pique. Que todos possam ter sempre uma criança por perto para mantermos fresco
o nosso pensamento e doce a nossa alma. Eu cá tenho muita sorte!
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