Pedra de Toque
Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
terça-feira, 5 de setembro de 2017
A Psicologia Do Desmaio
"Freud, I discovered, fainted at least two times, both in the presence of his protégé and rival, Carl Jung. The first was in 1909, in Bremen, shortly before he was to sail to America. He, Jung, and Ferenczi were having lunch and chatting about mummies, as one does:"
in https://www.theparisreview.org/blog/2017/07/10/freud-fainting/
domingo, 3 de setembro de 2017
Em Busca da Perfeição
Querer dar o melhor de si é uma virtude. É o que faz um indivíduo e uma sociedade desenvolver-se. Porém, o perfeccionismo é outra coisa. É sobretudo uma insatisfação permanente. É uma urgência em alcançar um ideal que raramente é real, pois o sujeito vê sempre mais a falha do que a concretização, isto é, o copo está sempre meio vazio e, muitas vezes, não se chega a gozar nem o processo em si nem o resultado.
Na verdade, o perfeccionismo não
assenta literalmente sobre o aperfeiçoamento das coisas em si: o trabalho, um
projeto específico, a nossa aparência ou as relações que estabelecemos. A um
nível mais profundo, o perfeccionismo é sobre aperfeiçoar-se a si mesmo, é
sobre uma sensação de insuficiência que transborda para todos os campos da
nossa vida. E esta necessidade (ou angústia) não vem de um lugar saudável.
Todos os componentes e dimensões do perfeccionismo envolvem, em última análise,
uma “obsessão” em aperfeiçoar um self imperfeito.
De onde vem
esta forma de funcionamento? O perfeccionismo está enraizado no mundo
relacional do indivíduo. Deriva das relações primárias, aquelas que
desenvolvemos nos estágios mais precoces da vida, quando nelas experienciamos
uma grande exigência, desamor ou vinculação frágil: vivências primitivas de
insegurança, vergonha, culpa. Ambientes de pouca aceitação/valorização, crítica
sistemática, busca permanente de uma validação que não chega, rejeição ou mesmo
abandono, maltrato, humilhação e desespero. Assim, o perfeccionismo entende-se
à luz das características mais fundamentais dos humanos: a necessidade de ligação/pertença
e necessidade de uma autoestima positiva (que enraíza nessa percepção de fazer
parte e ser importante). Desejo de ser aceite, reconhecido no seu valor, respeitado,
cuidado e de ser importante para os outros, i.e, ser amado.
O paradoxo é
que, embora enraizando em questões relacionais, o perfeccionismo veicula o
desligamento, o afastamento e uma certa falta de intimidade, em resultado da alienação
de um indivíduo que está tão focado nos seus processos que nem sempre olha para
o outro. A sensação de falha permanente contribui para uma insatisfação com a
vida em geral, que tantas vezes
posiciona as pessoas em lugares menos bons nas relações que estabelecem.
Talvez o
perfeccionismo seja também um resquício de uma omnipotência primordial, uma
manifestação das nossas partes mais infantis que ainda perseguem metas pouco
ajustadas e muito idealizadas. O crescimento permite-nos aceitar a nossa
falibilidade, as nossas limitações, com tolerância para connosco mesmos. O
momento em que aceitamos aquilo em que somos menos bons é um momento de
libertação e é um processo que elaboramos cada vez melhor à medida que
conseguimos constatar que para cada coisa em que somos menos bons há outra em
que somos melhores.
Apesar do
perfeccionismo poder trazer benefícios tangíveis, como, por exemplo, ser bem
sucedido, ele é, na verdade, uma vulnerabilidade da nossa personalidade. A
perseguição de metas pouco realistas é uma forma de viver o Inferno na Terra. Que possamos
dar o nosso melhor (assim a vida o permita),
reconhecendo sempre o nosso empenho mas também os nossos limites; com respeito
por nós mesmos, pelo nosso trabalho, pela nossa dedicação; sem depreciações ou
ruminações que não nos permitem avançar com maior simplicidade. Pede-se, àquele
que nunca está bem consigo, um olhar de lucidez e justiça para com quem é e
para com aquilo que já conquistou.
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segunda-feira, 17 de julho de 2017
A Ditadura da Eficiência
Eficiência e eficácia são dois conceitos muito
utilizados na gestão de empresas. A eficiência avalia como se faz, pressupõe dinamismo
e rapidez. Uma operação é eficiente quando gasta o mínimo de recursos para
obter um dado resultado. A eficácia, por sua vez, avalia até que ponto se
alcançou o resultado, independentemente da forma como se obteve. Pressupõe durabilidade
e qualidade.
Em gestão empresarial, é muito importante que uma
empresa seja eficiente, pois consegue produzir a custos inferiores. É natural
que, na sua maioria, as empresas procurem também a eficácia, isto é, cumprir
objetivos. Assim, para tal, uma das exigências de hoje em gestão empresarial é
a contratação de mão-de-obra extremamente qualificada: profissionais com um
perfil de competências que permita acompanhar um mundo cada vez mais
competitivo. Mas o que acontece quando começamos a aplicar a lógica empresarial
à vida de cada um de nós?
É que andamos a olhar a vida como se fosse uma
empresa: cada vez mais exigentes com o tempo que demoramos a fazer coisas ou a
atingir resultados. Costuma dizer-se que “rápido e bem não há quem” mas tal
ditado parece esquecido nas malhas da omnipotência do séc. XXI. Olhamos as
pessoas à luz da gestão. É a ditadura da eficiência e a busca da máxima
eficácia aplicada à história pessoal de cada um: quantas metas já atingiste e
quanto tempo demoraste a chegar? Olhamos uns para os outros de forma
competitiva, como se as vidas se avaliassem segundo uma qualquer checklist ou como se nos posicionássemos
segundo uma espécie de ranking. Negamos
assim a diversidade, tão fundamental ao
equilíbrio das espécies. Esquecemos que é legítimo existirem possibilidades
diferentes (e todas válidas) para todas as vidas. Um pouco em todos os
contextos pede-se sobretudo eficiência, que sejamos rápidos a resolver
situações e/ou a concretizar sonhos.
Na saúde mental, embora saibamos que o uso de
psicofármacos por si só não trata a maioria das patologias muito menos resolve questões de fundo da personalidade de cada um, continuamos a
prescrever como forma de tratamento. O objectivo é minimizar os sintomas, de
forma rápida: “apagar” a depressão nos adultos e controlar a agitação nas
crianças, ainda que não se entenda verdadeiramente o que entristece ou agita as
pessoas.
O ser humano é complexo, e complexos são os seus
processos. O ser humano demora tempo a formar-se. É preciso tempo para construir
projetos consistentes ou desconstruir as dores da vida. O mundo não quer desperdiçar
um segundo mas sabemos, felizmente, que há ainda quem nos ensine ou apoie a ser feliz na diferença e/ou a
abordar os sonhos devagar, como na fábula da lebre e da tartaruga. Há quem não se
submeta à pressão dos números, quem olhe para as pessoas e veja o que elas
precisam: e, às vezes, precisam de tempo. Tempo para crescer, tempo para
sofrer, tempo para saber, para aprender, para compreender, para ser — seja lá o que for.
terça-feira, 4 de julho de 2017
Palavras, Leva-as O Vento
Não
levemos as palavras demasiado a sério. O mais verdadeiro mora no silêncio que
fica quando elas se calam: a essência de todas as coisas. É nesse tempo e
espaço que tudo acontece: ou elas são confirmadas, ou caem no vazio. A
capacidade de falar confere ao Homem um poder que mais nenhuma outra espécie
animal domina: a capacidade de iludir, de enganar, de confundir, de prometer,
de manipular, não só aos outros como a si mesmo.
As
palavras são uma construção. Com elas eu posso criar tudo o que eu quiser,
incluindo uma realidade à minha medida. As palavras seduzem e conduzem: levam-nos
para onde nos querem levar. As palavras vendem: fazem-nos comprar o que pode ou
não corresponder ao seu conteúdo. As palavras são feitiços: prendem-nos a
situações e circunstâncias que, lúcidos, não desejaríamos. As palavras são
mentirosas: escondem verdades não assumidas. As palavras são envolventes:
deixam-nos a rodopiar na confusão dos enredos. As palavras são roupas:
despem-se.
É
sobretudo por causa delas que na política se chega à vitória. Com palavras que,
infelizmente, ficam tantas vezes aquém das concretizações. É assim que, em
clínica, encontramos pessoas tão perdidas, tão longe da verdade das suas vidas,
tão confundidas por tramas mentirosas nas várias relações e circunstâncias à
sua volta. Sentem que alguma coisa não está bem nas histórias que contam a si
próprios sobre o seu passado, o seu presente ou o seu futuro, mas nem sempre
sabem identificar o quê. De que nos valem as palavras quando não batem certo
com as vivências? Damos demasiado peso à linguagem e legitimamos pouco o nosso
sentir; e talvez aconteça que, quanto mais a espécie evolui em conhecimentos,
mais isso aconteça.
É
preciso, sobretudo, viver com e na verdade; uma existência livre de ilusões. É
preciso escutar o nosso sentir, e assumi-lo. Tapar os ouvidos, ir para longe do
“ruído” e pensar. É preciso olharmos de frente o que não é dito, ou seja, o que
é (ou não é) feito. É preciso que as palavras das nossas histórias sejam
consistentes com as ações que as preenchem. É preciso que sejam sólidas, como
uma árvore bem enraizada no seu chão —
não como um castelo de
areia.
Não,
não podemos confiar cegamente nas palavras. Não se trata de estar de má fé,
trata-se antes de estar acordado e bem desperto. A vida é nossa e temos o dever
de olhar por ela, digam lá os outros o que disserem. Não podemos confiar
cegamente, não, mas podemos confiar. Basta estarmos atentos. Podemos, inclusivamente,
acreditar na sua inocência até prova em contrário. Olhos abertos e pés assentes
no chão. Porque a palavra pode, sim, ter valor, consoante a ética, a coragem, a
maturidade e o grau de consciência de si e do mundo de quem as usa. E ao
encontrarmos pessoas assim, respiraremos fundo ao constatar a diferença e saberemos
que podemos fechar os olhos por alguns momentos ao sentir que tudo está certo.
domingo, 11 de junho de 2017
A Insustentável Leveza do Ser
“Desculpa-me estar hoje tão negativa”,
ouvi. O que há para desculpar? O problema é que as pessoas foram gradualmente convencidas
de que a sua negatividade é uma “falha no sistema”, através de uma cultura de busca
de diversão e prazer constante. Movimentos como a psicologia positiva e/ou as
palestras de gurus motivacionais abençoaram esta ideia de que o pensamento deve
ser sempre positivo. Não há muito lugar para choro ou lamentações, exige-se às
pessoas confiança, entusiasmo e gratidão permanentes. Que espaço sobra para as
emoções mais difíceis?
É um facto: hoje em dia foge-se das
emoções negativas como o diabo da cruz. Mas talvez por isso mesmo as pessoas
andem mais doentes. Não choram, não conversam, não partilham, não querem ser um
incómodo ou uma nuvem cinzenta sobre a cabeça de ninguém. De alguma maneira,
circula a ideia de que a boa companhia é aquela que está sempre bem-disposta,
de sorriso pregado no rosto e uma piada na ponta da língua. Uma pessoa fácil e
leve. A verdade é que esta tendência é prejudicial ao desenvolvimento emocional
saudável de cada um de nós. Normalizar o contato com as emoções difíceis —
raiva, tristeza, medo, angústia — sem as reprimir, seria um projeto bem mais
adequado ao bem-estar psicológico.
É que a vida nem sempre é para
celebrar. Por vezes, é mesmo para chorar. E não só durante um momento, mas
talvez durante os momentos necessários até resolver esse problema, seja externo
ou interno. O recente filme de animação Divertida Mente (no original, Inside
Out) tentou, e bem, mostrar isso às crianças (e não só). Uma das personagens
que habita o universo emocional de Riley é a Tristeza, que vive com uma grande
culpa de não conseguir ser mais alegre. Partilhando da mesma opinião, a
Alegria quer predominar, tentando manter a Tristeza o mais longe possível de
forma a que Riley seja uma menina mais feliz. Contudo, é ao excluir
sistematicamente a Tristeza que se faz ruir todo o mundo interno de Riley,
porque em certas situações da vida, reprimir a Tristeza é impeditivo de uma
melhor elaboração e resolução do problema. Até porque, mesmo quando nos
impedimos de pensar ou sentir algo, o nosso inconsciente fica a trabalhar sobre
isso na mesma, e nem sempre da melhor maneira. Toda a verdade que não
enfrentamos, assombra-nos.
E a verdade é que uma vida com sentido
inclui episódios de toda a espécie. Ela até pode não ser sempre implacável, mas
será pelo menos imprevisível e inconstante — como dizem os Stones, “you can’t always get what you want”. É
fundamental aceitar e assumir a complexidade da vida, e vivê-la em pleno. É,
aliás, o que lhe dá profundidade e sentido. O mal-estar dá sentido ao
bem-estar, assim como o frio dá sentido ao calor e a noite dá sentido ao dia. É
a experiência negativa de uma coisa que nos permite distingui-la do seu
contrário, valorizá-lo e saboreá-lo.
segunda-feira, 5 de junho de 2017
Forças Ocultas
Nem sempre o coração consegue comunicar ao pensamento o que lhe dói. Nem sempre o coração sabe ao certo o que lhe dói: só sabe que dói. Quando o inconsciente domina o nosso funcionamento e não conseguimos compreender porque sentimos o que sentimos e porque fazemos o que fazemos estamos perante um dos bloqueios que torna mais difícil o crescimento e a construção de um lugar de bem estar. É traduzindo as emoções por palavras que nos tornamos mais senhores de nós e menos submissos às forças mais ocultas que nos habitam. Se alguma coisa nos liberta do sofrimento é a capacidade de pensar e de dar sentido à dor.
terça-feira, 25 de abril de 2017
O Que Nos Contém
Todos precisamos, em determinados momentos, de contenção — capacidade de aguentar estados emocionais muito intensos de forma relativamente integrada. A contenção permite que, em vez de os agir irrefletidamente, possamos elaborar esses estados emocionais (“digeri-los” mentalmente, absorver o que interessa e eliminar o restante).
Mas para que tal capacidade
se desenvolva dentro de nós, precisamos, antes de mais, de quem nos contenha
durante o nosso crescimento. Começa assim, de pequeninos, como quase tudo.
Começa com alguém que aguenta, com uma mistura de amor, sensibilidade e firmeza,
as nossas “coisas”: o nosso choro, a nossa angústia, a nossa vitalidade, a
nossa força, a nossa agressividade, a nossa tristeza, a nossa zanga. É,
portanto, alguém que está connosco durante os momentos mais intensos, não
apenas fisicamente, mas integralmente: presente de forma inteira. E que,
necessariamente, não fique mais aflito ou transtornado do que nós: alguém que
não se desmorone com as nossas questões mais difíceis.
Há uma coisa muito
importante: distinguir conter de reprimir e/ou de controlar. Reprimir é
impedir, impedir que as crianças expressem as suas emoções livremente (“não
chores”, "não fiques assim", "não te quero ver nesse
estado", "não tens razão para isso", "que disparate").
Controlar, por outro lado, é evitar. É fazer tudo para que as crianças não
sofram, não se angustiem, não sintam coisas difíceis. É interferir com a
realidade e resolver os problemas por eles. Conter é outra coisa. É deixar
acontecer sem interferir e lidar adequadamente com isso: estar com o outro, ou
escutar, ou abraçar, ou conversar, ou ajudar a pensar, consoante as situações.
Contudo, mesmo que tenhamos
crescido num ambiente emocionalmente saudável e que a nossa capacidade de lidar
com as emoções seja até bastante ajustada, haverá muitos momentos,
demasiado difíceis e inesperados, em que precisaremos sempre de contenção
externa. Nem sempre estamos capazes de aguentar sozinhos todos os desafios que
surgem cá dentro do peito. Nestas alturas, voltamos a precisar de um pouco de
"colo", como quando éramos pequeninos. Esse colo simbólico é feito da
mesma matéria que o colo físico. Disponibilidade — quem nos oiça refilar ou
“falar colorido”. Diálogo — quem nos ajude a dar nome às emoções, porque
alfabetizá-las é também contentor; as palavras contêm. Silêncio — há
olhares de entendimento e empatia que contêm. Abraços — há gestos e
toques que nos seguram, que nos mantêm inteiros. Limites — por vezes,
perante o medo de nos partirmos em pedaços, queremos agir ou fugir e precisamos
de quem nos segure e diga “não vais fazer nada nesse estado, vais respirar
fundo e pensar melhor no assunto”. Há “nãos” que contêm. No fundo, uma
contenção é sempre um limite. Uma espécie de "cerca" que nos protege,
segura e organiza, mas que não reprime. É esta sublime diferença que nos
permite transformar estados emotivos primários num pensamento mais elaborado
sobre nós mesmos, construindo e não destruindo.
E como tecto organizador de
tudo encontramos, naturalmente, a relação, isto é, o amor. A substância que
tudo cura e o único lugar onde a verdadeira contenção acontece. É a boa
relação que nos contém. É, sobretudo, o amor — bom, maduro, sensível,
firme, atento, intuitivo — dos outros por nós, que nos contém. É
o que nos lembra que estamos juntos haja o que houver. É o nosso abrigo, o
nosso colo, o nosso abraço, a nossa casa. Enquanto houver uma única pessoa
no mundo que nos queira e trate bem assim, jamais ficaremos sós.
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