Olha, vou começar! Espero que gostes! Era uma vez uma menina
chamada Olívia que vivia num grande palácio. Ela não era uma princesa mas era
uma menina muito rica, filha de uns pais muito ricos. No palácio havia todos os
luxos possíveis e imaginários e a
Olívia passava os seus dias entre cortinados de cetim e porcelanas chinesas,
escondendo-se e encontrando-se atrás de todos os objectos que pudessem servir
de esconderijo. Sim, não me interrompas, ela é que se encontrava a ela própria
porque não havia ninguém à procura dela! Deixa-me continuar a história. Um dia
a Olívia cansou-se de se procurar a si mesma e começou a criar teatros de
marionetas. Havia três personagens, três colheres de pau roubadas da grande
cozinha e transformadas no pescador, na mulher do pescador e na filha do
pescador. Mas a Olívia só tinha duas mãos para as três colheres de pau e a
plateia dos seus espectáculos (todos os bonecos que tinha) não era muito
participativa e também isso acabou por perder a graça. Por esta altura, a
Olívia descobriu os livros. Os livros tornaram-se a sua terceira grande
companhia. Pelas histórias dos outros a Olívia integrou a sua própria história
e coloriu os espaços em branco que ia encontrando. Sim, a Olívia assim não se
sentia só. Xiu, deixa-me continuar. Foi assim que a Olívia foi crescendo,
graças à sua capacidade de criar e colorir o seu próprio mundo, tão fisicamente
despido e tão simbolicamente rico. Foi assim que foi crescendo até poder
descobrir o mundo. Até perceber que fora do grande palácio existia um sem fim
de possibilidades e de plateias e de olhos interessados em si. E foi quando se
tornou mais parte do mundo que se sentiu mais zangada. Não, não é nada
estúpido. Foi porque cá fora começou a comparar a vida no palácio com outras vidas
e as pessoas do palácio com outras pessoas e percebeu que tinha perdido coisas
importantes pelo caminho, não te parece evidente? Desculpa, não queria ser
rude. Tomara eu que me fizessem tantas perguntas como tu fazes e que se
interessassem tanto como tu te interessas. Não, claro que não estávamos a falar
de mim, estávamos a falar da Olívia! Eu só estou a contar uma história!
Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Give Me Truth
Verdades esperam-nos, serenamente, ao longo do
caminho. Não têm a nossa urgência e por isso deixam-se estar, sabendo que tudo
tem um tempo mesmo que esse tempo nos pareça fora de tempo. O nosso tempo é
diferente do tempo do Universo. Não se sabe muito bem porquê mas é, quase
sempre, assim. Pois que seja. Que tarde, mas que chegue, essa coisa da verdade.
Outras vezes ela já se tinha mostrado, em sinais de fumo à beira da estrada, mas nós, distraidamente ou
propositadamente, não vemos. Mas aí o problema da verdade já não é o tempo que
ela demora mas sim a nossa incapacidade de olhar de frente para ela. Pois que
seja. Que se olhe tarde, mas que se olhe, por fim, para essa coisa da verdade. Como dizia Thoreau: "rather than love, than money, than faith, than
fame, than fairness... give me truth". Pois tudo o
resto, quando não assenta em verdade, não tem validade.
― Fotografia de Finn Beales, in Mývatn, Islândia
― Fotografia de Finn Beales, in Mývatn, Islândia
domingo, 23 de novembro de 2014
O conflito de gerações
Há
algum tempo a capa da revista Time apresentou-nos
a “Me Me Me Generation”,
categorizando a juventude actual como extremamente narcísica, individualista e
egocêntrica. Rapidamente se instalou a polémica perante essa capa que correu o
mundo. Em defesa dos jovens se diga que, por exemplo, é mais comum desenvolverem
comportamentos pró-ambientais do que um indivíduo de 50 ou 60 anos. Sendo o
planeta responsabilidade de todos, quem serão os mais individualistas? Há na
juventude, claramente, narcisismo e egocentrismo, o que é diferente de
individualismo. É que os dois primeiros estão intimamente ligados ao processo
de crescimento: narcisismo, porque a identidade própria está em construção e
necessita de ser reafirmada; egocentrismo, porque a imaturidade torna difícil
entender as coisas sob outros e diferentes pontos de vista que não o próprio. Mas
individualismo, atitude de não se preocupar com os outros, será uma acusação
injusta, pois se há coisa que caracteriza a adolescência é a sensibilidade social
e a busca de justiça. Vendo bem, quantos adultos não são igualmente narcísicos
e egocêntricos, tendo ficado suspensos no seu caminho de crescimento pessoal?
Acusações
mediáticas à parte há sempre tensão entre gerações. É com frequência que
opiniões públicas ou privadas a denegrir as gerações mais novas se fazem ouvir.
Porque se atacam tanto os jovens? Que os jovens possam criticar os “velhos” até
se entende, já que são eles os “miúdos”, inexperientes e justiceiros, para quem
é tão fácil apontar o dedo. Que os adultos respondam na mesma linguagem é que se
torna mais difícil de entender, pois deveriam ter algum entendimento sobre o
que ficou para trás. Será tão fácil esquecer o quanto as gerações sempre
chocaram entre si? Será tão difícil lembrar como os jovens de antigamente
também se diferenciaram dos seus pais? Tudo o que é diferente é estranho, mas
não necessariamente mau. O futuro o dirá.
Todas
as gerações são diferentes das gerações que as precederam. Se o mundo está em permanente
transformação como poderia ser de outra maneira? A verdade é que o ser humano
tem alguma dificuldade em responsabilizar-se pelo que acontece em seu redor mas
somos nós quem define a direcção em que se move o mundo. Para falar sobre
jovens, teremos de sempre de falar um pouco sobre quem foram os pais dos jovens
e de que cultura de valores foi criada para eles, seja em que época for. Se não
gostamos dos jovens que criámos teremos sempre de fazer um mea culpa sobre o mundo que construímos para eles.
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terça-feira, 4 de novembro de 2014
Das turbulências
Há dias que são como mares revoltos. Nesses dias, as emoções
são fortes. Porque tal como a agitação marítima traz à superfície coisas que
habitualmente estão no fundo do mar, a turbulência emocional invoca o que está
no mais profundo de nós, misturando tudo à superfície. Se o mar está agitado, mais cedo ou mais
tarde, enquanto combatemos as ondas e as correntes, vêm ao de cima os medos
mais remotos, as feridas mais antigas e as memórias mais bem guardadas,
fazendo-nos sentir ainda mais desamparados face às intempéries. O pânico pode
tomar conta. Felizmente, temos também acesso aos nossos recursos e bóias de
salvação que fomos armazenando durante o caminho. Afectos positivos,
aprendizagens e competências de toda a espécie que mobilizamos para combater
tudo o que de mau nos atormenta no meio da tempestade. Na certeza, sempre, que
nenhuma tempestade dura para sempre e que a impermanência das coisas é, nestes
momentos, uma característica muito útil da condição humana. Depois da
tempestade vem a bonança. Isso sim, invariavelmente.
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