O melhor do tempo que passa é a transformação que deixa. O
melhor de chegar ao fim do ano é sentirmo-nos e sabermo-nos diferentes do seu
início. Diferente não é nem melhor, nem pior, nem mais certo, nem mais errado.
Não se trata de um juízo de valor nem de uma corrida para
chegar a lado nenhum. Diferente é o que é: diferente. É um caminho. Um caminho
que se faz, fazendo. Que bom quando cada ano é um pouco mais. Um pouco mais de
vida, um pouco mais de mundo. Um pouco mais de história. Um pouco mais de
gargalhadas, de encontros, de lágrimas, de despedidas. Um pouco mais de Verão,
um pouco mais de Inverno. Um pouco mais de mim, um pouco mais dos outros, um
pouco mais de mim nos outros e um pouco mais dos outros em mim. Por vezes um
pouco mais de alegria e serenidade, outras vezes um pouco mais de angústia e
sofrimento. Seja o que for, é sempre e precisamente o contrário de estagnação.
É a constatação do fluxo constante da vida e dos seus vai-e-vens. Obrigado
2014! Que venha 2015!
Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
O melhor presente de Natal
Os presentes no Natal fazem
parte da nossa cultura. São símbolos de afecto e de pertença, possivelmente associados
ao gesto dos Reis Magos, acarretando uma tradição de celebração da família. Mas
ao longo dos tempos o ritual acabou confundido e contaminado por fortíssimos
apelos ao consumo.
Se isto é verdade entre
adultos, mais confuso é para as crianças, obrigando-nos a estar atentos ao que
se passa dentro delas e ao que lhes estamos a transmitir, enquanto modelo para
a vida. A criança, cada vez mais exposta ao meio consumista, vai expressando o
seu desejo de receber um certo presente, mas cabe-nos a nós ter a sensibilidade
de decifrar se o que é pedido é realmente uma escolha sua, algo que lhe trará
verdadeira satisfação, ou uma imposição/influência do ambiente envolvente
(media, grupo de pares, etc.). Ou seja, é importante perceber qual a real
motivação da criança quando pede determinado presente.
O que acontece frequentemente
é que a criança nem sempre pede um presente que seja verdadeiramente importante
para si. Repare-se que não é invulgar a criança ir mudando de ideia a cada anúncio
que passa na televisão, ou mesmo consoante aquilo que alguns amigos pediram
como presente. Mas esta dúvida é, na verdade, uma falsa dúvida. É fruto do
bombardeamento de informações que ela não tem maturidade emocional para gerir,
ou fruto da dificuldade em se conhecer a si mesma e aos seus desejos, imitando
os outros em alternativa. O que acontece depois é que, ao receber o presente, percebe
que afinal não o queria, e este acaba por ser posto de lado.
O melhor presente de Natal
(ou de outra coisa qualquer) é um presente que vai ao encontro do desejo autêntico
da criança e, em geral, esse desejo
está relacionado com os seus afectos mais íntimos e com a sua fase de
crescimento (e respectivos desafios). Assim, um menino que tem vários medos
pode pedir um conjunto de tanques e soldadinhos, uma menina que começou a montar
a cavalo pode pedir uma boneca cavaleira, ou uma criança que acha que ser
cientista pode pedir um microscópio. O exemplo não importa, mas ilustra que, em
todos os casos, o valor do presente em questão, para a criança, não é aleatório,
nem financeiro (pedir o presente mais caro), nem uma imitação, mas sim emocional.
Diz respeito às suas vivências: sejam medos, descobertas ou desejos. Isso é o
que deve conter num presente. O desejo deve ser o desejo da criança e não o
desejo do mercado ou de quem lhe dá um presente (ex: quero que o meu filho seja
médico portanto vou oferecer-lhe um estojo médico).
E se, no fim de tudo isto, o
presente não é possível por qualquer razão, basta dizer à criança sobre a
impossibilidade real de oferecer aquele presente. A vida é feita de limitações
e são esses limites que nos ensinam a esperar e que nos permitem sonhar e
desejar.
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
A Beleza das 'Cousas'
Se o que é belo para uns nunca será belo para outros, sendo a
beleza um dos conceitos mais subjectivos e voláteis da humanidade, o que é o
belo senão aquilo que nos faz felizes? O poema — Alberto Caeiro, com certeza.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
As Fronteiras da Intimidade
Fala-se muito da importância de
colocar limites às crianças. Esta expressão ficou bastante associada à
imposição de regras, deixando na penumbra outro tipo de limites, tão ou mais
importantes: a intimidade e a privacidade de cada um. A intimidade e a
privacidade são dois conceitos importantíssimos à estruturação psíquica do
sujeito, duas fronteiras básicas da individualidade do ser humano.
Dentro da mesma casa, ou seja, partilhando
espaços físicos, há tendência a confundir o espaço de cada um. Por vezes, os
adultos não sabem como é importante ter alguns cuidados, invadindo o espaço das
crianças, outras vezes, permitindo em excesso que a criança invada o seu
espaço. Se as crianças pudessem defender-se, diriam então: “Pressinto que há
coisas minhas que não te dizem respeito e que há coisas tuas que não quero
saber; que há momentos e lugares meus onde não podes entrar e momentos e lugares
teus que não quero presenciar. Eu ainda não sei muito bem o quê mas tu, que és
crescido, ajudas-me com esta tarefa?”
O filtro tem de ser, em primeiro
lugar, uma competência dos adultos. É importante respeitar a intimidade da
criança, ensinando-a, aos poucos, a reservar (e preservar) tudo aquilo que é
seu. Como se ensina isto? Pelo exemplo, como tudo o resto. Se uma criança está
na casa de banho, não há que irromper pelo espaço sem pedir licença. Criança ou
não criança, o respeito é o mesmo. E antes de entrar no quarto, não custa nada
bater à porta e perguntar: “Posso?” É que, por vezes, os adultos têm tanta
necessidade de controlar as crianças que as desrespeitam profundamente. Quantos
pais já terão lido o diário das suas meninas? Quantos pais já terão espiolhado
os telemóveis dos seus filhos? Quantos pais já terão desejado ser confidentes
absolutos dos filhos? Não havendo qualquer indício de problemas, para quê e
porquê fazê-lo?
Também os pais devem reservar para
si aquilo que é seu. Mas quando confrontados, muitos adultos respondem: “Eu
também não me importo que o meu filho entre no meu quarto sem bater, nem que queira
saber de tudo da minha vida. Não tenho nada a esconder.” Tudo bem. Mas não acham isso estranho? Não se trata de esconder, mas de valorizar o que é meu e poder
distingui-lo do que é do outro. De perceber que estas confusões em nada medem o
amor e os afectos, apenas revelam tentativas de controlar angústias que ora são
dos adultos, ora das crianças, e que é preciso contê-las de outra forma. Que
saibamos que amar o outro é respeitar a sua individualidade, permitir-lhe uma
existência diferenciada. Para isso, lutamos contra os nossos medos, se preciso.
Pelo direito a não se deixar invadir e respectivo dever de não invadir também.
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