Toda a prática
de yoga remete para o equilíbrio, i.e., para a harmonização de forças opostas.
E assim sendo, oscila entre movimentos de avanço e retrocesso, actos de coragem
e rendição, momentos de segurar e largar, trabalho de transição e permanência, consciência
de força e ligeireza, sensações de prazer e dor. Nessa oscilação no tapete, perfeita
metáfora da vida, buscamos o centro de todas as coisas. Principalmente o nosso — corpo e mente.
Esse lugar de conforto onde nos encontramos connosco. Onde respiramos sem
dificuldade e onde nada dói. Onde sentimos paz. Só que não podemos ficar muito
tempo aí porque a oscilação é o estado natural do mundo e porque o crescimento
e expansão se faz pelo desconforto, pelo risco, pelo negativo. E saímos do
centro. Essa dinâmica é a condição mais básica do desenvolvimento: onde há
paragem, não há vida. Nesse processo, há momentos de força extraordinária. Saímos
do centro, atiramo-nos de cabeça e somos capazes de fazer qualquer coisa. Na
força descobrimo-nos, ultrapassamo-nos. Encontramos mundos e talentos
desconhecidos, potencialidades e possibilidades. E de cada vez que assim é, mudamos
o nosso rumo, transformamo-nos a cada novo encontro. Depois, há os desafios que
não superamos. Repetimos, ruminamos, ficamos ali. E aí, o contrabalanço dos momentos
de humildade e vulnerabilidade profunda que remetem para a nossa absoluta
impotência perante os caminhos de evolução das coisas. E aí, rendemo-nos. Rendemo-nos
perante os paradoxos. Perante a constatação de que somos tudo e ao mesmo tempo
não somos nada. Estendemos os braços e encostamos a testa ao chão e que seja o
que for quando tiver que ser. Quem somos nós afinal? E na rendição também nos
descobrimos e ultrapassamos. Quando nos rendemos, todo o peso desaparece e é
sublime porque somos, subitamente, leves, muito leves. Assim leves, um pequeno
sopro pode levar-nos para onde calhar e poderemos descobrir coisas que ainda
não conhecíamos nem esperávamos. Quando nos rendemos, entregamo-nos nos braços
de algo seguramente maior que nós, que somos tão pequenos para compreender toda
a dimensão da vida. E aqui vamos existindo, oscilando entre rendições e
actos de coragem, porque a leveza do ser é insustentável por muito tempo mas a
coragem sistemática é para guerreiros sobre-humanos. E nós somos e seremos,
sempre, simplesmente pessoas.
Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Pessoas
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terça-feira, 28 de abril de 2015
segunda-feira, 13 de abril de 2015
Matemática dos Beijos
— Um, dois, três, duzentos e cinquenta e
sete, cinco mil setecentos e quarenta e nove: quantos beijos cabem na vida?
— Talvez quarenta milhões? (sorriso) Não
sei. Curtos ou longos? Tudo depende da duração. Num dia cabem mil quatrocentos
e quarenta beijos de um minuto ou um beijo de mil quatrocentos e quarenta
minutos. Tu é que escolhes.
— Tens razão. Isso da duração importa.
Fizeste-me lembrar também daqueles beijos que ficam connosco já depois de se
irem, sabes? E às vezes até se cruzam com outros que hão-de vir: "Olá,
ainda por aqui?".
— É, há beijos que se demoram e acho até
que alguns nunca acabam. Mas a memória de um beijo vale por um beijo, não?
— Olha que não sei. Cada beijo lembrado
pode contar como um novo beijo. Podemos escolher também aqui.
— Hum. E incluindo beijos de que tipo?
— De todos. Dos beijos dados, dos beijos
roubados, dos beijos perdidos e dos achados. Dos beijos que procuram e dos
beijos que encontram. Dos que fracturam e dos que reparam. Dos que rompem e dos
que ligam. Dos beijos que acordam, dos que adormecem. Dos que se encontram à
esquina e dos que chocam de frente. Dos de passarinho e dos de corpo inteiro.
Dos enternecidos e dos apaixonados. Dos que nos esclarecem e dos que nos
confundem. Dos que quase enlouquecem, no bom sentido. Beijo é sempre no bom
sentido. Dos beijos que acalmam e dos que assustam. Dos que respiram e dos que
sufocam. Dos beijos que nos dissolvem, sabes? Dos beijos-buracos-negros que
acabam com a gravidade e nos sugam em espiral para lá do tempo e do espaço. Dos
beijos que desaparecem. E dos que nos perseguem. Perseguem. Perseguem.
Perseguem.
— Mas queres fazer contas ou escrever um
poema?
— Pois se calhar a matemática não se
aplica a isto. Teríamos ainda a questão dos beijos sonhados.
— Também querias ir por aí?!
— Claro. Quero ir por todos os lados.
— (sorriso)
— ah! E o beijo dos beijos. Teríamos que
contar com o beijo dos beijos.
— Qual?
— Tu sabes. É aquele que não se pode
lembrar...
— O que há-de vir?
— Pois. Também não custaria nada. É só
somar um no fim.
— (sorriso) Qual fim? Contigo será
impossível contabilizar beijos.
— Se calhar. Que se lixem as contas. O
que importa é que é sempre a somar. E para que não haja desperdícios lembra-te
disto que é importante: um beijo que não se dá é um beijo que não se deu.
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sexta-feira, 10 de abril de 2015
D'Os Passos em Volta
Series Seven Chair by Arne Jacobsen |
Uma vez fui a um médico.
– Doutor, estou louco – disse. – Devo estar louco.
– Tem loucos na família? – perguntou o médico. – Alcoólicos, sifilíticos?
– Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
– Não preciso de remédios – disse eu. – Sei histórias tenebrosas acerca da vida. De que me serve barbitúricos?
– Doutor, estou louco – disse. – Devo estar louco.
– Tem loucos na família? – perguntou o médico. – Alcoólicos, sifilíticos?
– Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
– Não preciso de remédios – disse eu. – Sei histórias tenebrosas acerca da vida. De que me serve barbitúricos?
A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas
ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço
também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que
poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem velhíssimo não se
resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão
tinha vasos de orquídeas.
O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria
bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas.
Procure o seu estilo, se não quer dar em pantanas. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música. – João Sebastião Bach. Conhece o
Concerto Brandeburguês n.º 5? Conhece com certeza essa coisa tão simples, tão harmoniosa e definitiva
que é um sistema de três equações e três incógnitas. Primário,
rudimentar. Resolvi
milhares de equações. Depois ouvia Bach. Consegui um estilo. Aplico-o
à noite quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes
sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se
faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do
sangue com a sua voz obscura… Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício,
este.(…)”
Herberto
Helder, Os Passos em Volta (Assírio e
Alvim), pp. 9-11
terça-feira, 7 de abril de 2015
Os rebanhos
A
história de um rebanho começa sempre no seu pastor. Neste caso, faremos uma
viagem à mente enlouquecida de um homem, L. Ron Hubbard, que achou que podia e
devia salvar a espécie sabe-se lá do quê (dèja vu?). Se calhar queria salvar-se
a si mesmo e de si mesmo mas isso não podia saber ou aceitar. Então parece que
pessoas assim constroem estes impérios de devaneios na exacta medida do seu
desespero.
Depois
o pastor morreu e outro o substituiu mas o rebanho permaneceu.
Chamamos-lhe rebanho quando deixa de existir a possibilidade de pensamento e/ou divergência. Ou seja, o que merece mais atenção é que vamos encontrando ao longo da História certos sistemas de crenças que capturam emocionalmente e fazem das pessoas aquilo a que poderíamos chamar reféns-de-livre-vontade. É aquilo a que chamamos uma lavagem cerebral. E isto repete-se, em maior ou menor escala. Mudam as circunstâncias e os ideais vendidos mas repetem-se os mecanismos psicológicos que prendem (bem como os que facilitam deixar-se prender). De um lado estamos no campo da manipulação. Da mentira psicótica. Do poder, controlo e domínio do outro. Estamos no campo da doutrinação. Estamos no campo da loucura que infelizmente se propaga quando encontra terreno fértil — a mentira mágica e omnipotente pega bem quando encontra uma mente que procura ser guiada e ver-se livre da responsabilidade do rumo da sua própria vida; mente onde habita uma alma perdida em busca de um sentido para a sua vida, seguramente frágil e carente de uma identidade, talvez também de afecto, reconhecimento e pertença. Este é o outro lado. Traduz-se num gesto que podia ser um encolher de ombros que finalmente encontra uma mão aparentemente sólida a que se agarrar e que repare o narcisismo danificado fazendo-o sentir parte de algo "maior", ainda que o preço seja elevado. Depois é só caminhar com o rebanho e é um pequeno passo até permitir que frutifiquem as ilusões e que se permitam os abusos, a si e aos seus, sem questionar, sem querer ver. Se perguntamos às pessoas porque permanecem ali ou porque fazem o que fazem a resposta será papagueada e, em última análise, não saberão sequer responder. Está aquém do pensamento.
Chamamos-lhe rebanho quando deixa de existir a possibilidade de pensamento e/ou divergência. Ou seja, o que merece mais atenção é que vamos encontrando ao longo da História certos sistemas de crenças que capturam emocionalmente e fazem das pessoas aquilo a que poderíamos chamar reféns-de-livre-vontade. É aquilo a que chamamos uma lavagem cerebral. E isto repete-se, em maior ou menor escala. Mudam as circunstâncias e os ideais vendidos mas repetem-se os mecanismos psicológicos que prendem (bem como os que facilitam deixar-se prender). De um lado estamos no campo da manipulação. Da mentira psicótica. Do poder, controlo e domínio do outro. Estamos no campo da doutrinação. Estamos no campo da loucura que infelizmente se propaga quando encontra terreno fértil — a mentira mágica e omnipotente pega bem quando encontra uma mente que procura ser guiada e ver-se livre da responsabilidade do rumo da sua própria vida; mente onde habita uma alma perdida em busca de um sentido para a sua vida, seguramente frágil e carente de uma identidade, talvez também de afecto, reconhecimento e pertença. Este é o outro lado. Traduz-se num gesto que podia ser um encolher de ombros que finalmente encontra uma mão aparentemente sólida a que se agarrar e que repare o narcisismo danificado fazendo-o sentir parte de algo "maior", ainda que o preço seja elevado. Depois é só caminhar com o rebanho e é um pequeno passo até permitir que frutifiquem as ilusões e que se permitam os abusos, a si e aos seus, sem questionar, sem querer ver. Se perguntamos às pessoas porque permanecem ali ou porque fazem o que fazem a resposta será papagueada e, em última análise, não saberão sequer responder. Está aquém do pensamento.
E
assim, uma e outra vez regressamos ao conceito de “banalidade do mal” de Hannah
Arendt para que não sobrem dúvidas que a falta de capacidade crítica, de um
“aparelho pensante” (como lhe chama Coimbra de Matos) é o pior inimigo do
Homem. Como diz, no fim do documentário, um dos entrevistados: “If we believe
in something we don’t really have to think for ourselves, do we?”.
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segunda-feira, 6 de abril de 2015
Morrer de Amor
"Tão bom morrer de amor! e continuar vivendo..."
— Mário Quintana, Conversa Fiada in Baú de Espantos (1986)
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