Landmannalaugar, Iceland |
Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
terça-feira, 28 de julho de 2015
quinta-feira, 23 de julho de 2015
Faça você mesmo: Sobre a auto-suficiência
Liekeland |
De
há muito tempo para cá que o Homem tem tentado, por todos os meios, ser cada
vez mais auto-suficiente. Precisar, cada vez menos, do que quer que seja. Estar
preparado para tudo e superar todos os desafios. De quanto menos recursos
precisar (materiais ou humanos), melhor. As palavras de ordem são, por exemplo,
“faça você mesmo”, “guia de auto-ajuda”, “self-service”. Cada vez mais
poderosos, cada vez mais competentes ou, bem vistas as coisas, cada vez mais
sós.
É. No
dia em que eu achar não precisar do outro para mais nada, morrerei: encerrado em mim mesmo,
tendo por companhia a solidão ou a omnipotência. No filme “Into The Wild”,
baseado numa história verídica, percebemos que, em última análise, é a fuga do
mundo e dos outros que fazem parte do mundo que acaba por destruir Christopher
McCandless: o isolamento, confundido com
autonomia, mata. Mais cedo ou mais tarde, precisamos sempre de alguém. Somos
seres gregários, isto é, que se agregam. E isso tem funcionado bem, ao longo de
toda a humanidade. Cooperamos, coligamos, colaboramos, ou seja,
relacionamo-nos. Somos, por todos estes motivos, seres que interdependem. Querer
negar isto é negar a condição humana. “Eu não preciso de ninguém” é querer tornar-se
bicho ou máquina, sendo que nem alguns bichos conseguem sobreviver sós e que
mesmo uma máquina precisa de alguém que a manobre, a dado momento.
Nascemos
a precisar do outro e provavelmente, morreremos precisando do outro. Durante o
caminho, percorremos alguns trilhos de autonomização, de crescimento e
diferenciação, mas vivemos sempre numa autonomia relativa. Perceber e aceitar
isto é poder também serenar. Perceber que isso está na
nossa natureza, desde os primórdios da espécie. Que não ser auto-suficiente não
é um crime, pelo contrário: é a condição humana no seu melhor.
Sem
dúvida que no outro extremo se pode encontrar o excesso de dependência, a
incapacidade de ser autónomo e de tomar conta da nossa vida. São histórias de
meninos pendurados no pescoço de suas mães ou sentados em qualquer colo que
lhes apareça pela frente. São histórias de crescimentos boicotados, suspensos
ou esburacados. Sem dúvida, portanto, que o caminho da saúde mental passa por
uma autonomização “suficientemente boa” e consequente crescimento pessoal. Sem
a capacidade de estar só, será difícil construir uma vida adulta de qualidade. Como
ouvi recentemente, sem sermos um bom ímpar, não seremos um bom par. O problema então
não será depender do outro, mas em que medida dependemos. Há algures, parece,
uma medida mais ou menos saudável para isto de precisarmos sempre de alguém.
quarta-feira, 15 de julho de 2015
quarta-feira, 8 de julho de 2015
terça-feira, 7 de julho de 2015
O Cansaço e Outras Máscaras da Depressão
Apesar
de haver cada vez mais sensibilidade relativamente aos assuntos do foro da
saúde mental, a verdade é que alguns sintomas depressivos continuam a ser
desvalorizados e/ou a passarem despercebidos. Estar deprimido não é somente o
abismo negro, desesperante, que muitos imaginam. Não é obrigatório chegar ao ponto de
apresentar tendências suicidas; podemos estar deprimidos e continuar a
funcionar nos vários níveis da nossa vida, embora num ritmo e frequência
diferentes. Ou seja, estar deprimido não implica necessariamente abandonar o
trabalho ou negligenciar a higiene pessoal ou da casa e as relações familiares.
Muitos dos tantos que trabalham todos os dias, tomam banho e estendem a
roupa todos os dias, vão buscar os filhos à escola todos os dias, apresentam sinais
de depressão, em maior ou menor grau, que não os incapacitam na totalidade, mas
que diminuem a sua felicidade e qualidade de vida:
1. O
“cansaço” crónico: abatimento, inércia, apatia, “preguiça” de fazer as coisas, ausência de
vitalidade, de dinamismo, de energia;
2. A
falta de interesse e de alegria: ausência de entusiasmo pelas coisas, falta de
apetite pela vida, dificuldade em sentir prazer nas mais diversas
circunstâncias, levando, por vezes, ao isolamento social e relacional;
3. A
baixa auto-estima e desvalorização pessoal: sentimento de que ninguém gosta de
nós, que não temos valor e que não fazemos nada de jeito;
4. A
culpabilidade: perda da capacidade de distinguir uma acusação justa de uma
acusação injusta, aceitação acrítica das acusações que nos são dirigidas,
responsabilização excessiva ou mesmo ilógica perante as situações que não
dependem de nós;
5. A
perda da líbido, do desejo sexual: dificuldade ou incapacidade de retirar
prazer, gozo, da relação com o outro, às vezes justificada com o dito “cansaço”
ou pela acusação do outro;
6. A
perda de apetite ou alimentação descuidada: pouca vontade de comer e hábitos
alimentares nocivos e/ou nutricionalmente pobres (à base de “comida preguiçosa”,
como por exemplo, snacks, “fast-food”, guloseimas);
7. A
insónia e/ou fadiga: turbulência nos padrões de sono (dificuldade em adormecer,
sono interrompido, ou excesso de horas de sono mas pouco revigorantes);
8. As
dores físicas: queixas sistemáticas de sofrimento físico, seja ósseo, neurológico,
visceral ou muscular, com presença de dores mais ou menos resistentes aos
tratamentos médicos, muitas vezes sem diagnóstico clínico que justifique a sua
presença;
9. A
memória fraca: dificuldade em lembrarmo-nos detalhadamente dos acontecimentos e
atenção diminuída/empobrecida sobre a vida, muitas vezes atribuída à
“distracção” ou “cansaço”;
10. A
indecisão: um querer e não querer ou nem sequer saber o que se quer ou para
onde se vai, consequência directa da dificuldade em se ouvir a si mesmo ou de
confiar em si mesmo.
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Da solidão necessária
A espécie humana é social, gregária, mas é também reflexiva e, nesse aspecto, solitária. Como diz uma professora e colega que estimo, "a vida está nos paradoxos". Porém, tantas vezes parece quase necessário justificar esse lado de quem privilegia estar só/sossegado num mundo que nos entra loucamente pela "porta" dentro todos os dias. Há umas décadas atrás, era diferente. Sabíamos, aceitávamos e não questionávamos que muitos momentos eram bons para se estar só. Hoje, na era das redes sociais e dos "open spaces", o solitário não "existe". Mais, se existe, é desrespeitado. Nem sempre quem se coloca à margem é amado e/ou considerado da mesma forma. Esta é uma questão que apenas faz sentido pensar aqui, neste mundo dito ocidental, onde a acção passou a ser mais valorizada que a contemplação e se esquece, tantas vezes, que a solidão também pode ter muitas vantagens. É no espaço de encontro connosco que podemos "ser", por oposição ao "fazer". E é quando podemos "ser" que nos surgem as melhores criações. É também na ausência que interiorizamos a presença, que aprendemos a guardar as coisas dentro de nós. E sem esses espaços de encontro connosco dificilmente podemos saber estar, verdadeiramente, com o outro.
O Viver Criativo
Uma
flor pode ser apenas uma flor ou pode ser uma flor que eu decidi usar para um
fim qualquer. Por isso, essa flor destaca-se de todas as outras e eu crio uma
relação com ela diferente de todas as outras. Num certo sentido, eu “criei”
aquela flor (naquilo que ela representa para mim e que não representa para mais
ninguém). Ela torna-se símbolo de algo. Ficará embebida numa emoção, numa memória,
num pensamento ou sensação. Sobre a sua rosa, dizia o principezinho às outras
rosas: “Claro que para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente
igual a vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas porque foi a
ela que eu reguei.” Isto é a atribuição de subjectividade ao mundo objectivo e chamamos-lhe
o “viver criativo”. Ou, de uma forma mais simples, o brincar.
Há
esta ligação a preservar, entre a vida objectiva (a realidade compartilhada) e
a nossa vida subjectiva (a minha leitura da realidade). O grito de uma gaivota
pode ser (e é) apenas o grito de um gaivota, aquele grito ouvido no mesmo
preciso momento por uma centena de pessoas, mas é também, para mim e só para
mim, o trampolim para emoções, memórias, pensamentos e sensações; passadas,
presentes ou futuras. Talvez, então, aquilo que mais dá significado à nossa
vida seja essa arte do “viver criativo”, “brincando” com uma flor, o grito de
uma gaivota ou uma pedra no caminho. É o dom de transformar um mundo que já
existe. Transformá-lo, na perspectiva em que uma coisa passa a significar outra
coisa, simultaneamente objectiva e subjectiva: muito mais rica de simbolismo e
de substância.
Quando
a vida é demasiado concreta, falta significado às coisas. Falta viver criativamente.
Reinventar o mundo e, através disso, reinventarmo-nos. O viver criativo cresce
em nós, desde pequenos, se temos a possibilidade de brincar. Quando brincamos,
nada é o que é: um mata-moscas pode ser uma arma, uma formiga pode ser um
soldado, um caldo de folhas e flores pode ser uma sopa. Nesse espaço
transicional entre o que é e o que pode ser, vive-se criativamente. E essa arte
permanece por toda a vida.
O
viver criativo é a poesia do quotidiano. É abrir os olhos para o estético e para
o sensível e deixá-lo ligar-se ao concreto. É também e ainda, possibilidades
sem fim. É expansão pois, no limite, nada jamais se repetirá: chegamos ao mais
importante, todas as relações de amor podem ser diferentes todos os dias. Viver
criativamente é perceber essa potencialidade em todas as coisas. E na nossa
experiência, na nossa interioridade, nada será apenas aquilo que é, mas será sempre
uma espaço de transição entre o que é e o que pode ser. E que seja um lugar
onde fomos, ou poderemos ainda ser, mais felizes.
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