O melhor do tempo que passa é a transformação que deixa. O
melhor de chegar ao fim do ano é sentirmo-nos e sabermo-nos diferentes do seu
início. Diferente não é nem melhor, nem pior, nem mais certo, nem mais errado.
Não se trata de um juízo de valor nem de uma corrida para
chegar a lado nenhum. Diferente é o que é: diferente. É um caminho. Um caminho
que se faz, fazendo. Que bom quando cada ano é um pouco mais. Um pouco mais de
vida, um pouco mais de mundo. Um pouco mais de história. Um pouco mais de
gargalhadas, de encontros, de lágrimas, de despedidas. Um pouco mais de Verão,
um pouco mais de Inverno. Um pouco mais de mim, um pouco mais dos outros, um
pouco mais de mim nos outros e um pouco mais dos outros em mim. Por vezes um
pouco mais de alegria e serenidade, outras vezes um pouco mais de angústia e
sofrimento. Seja o que for, é sempre e precisamente o contrário de estagnação.
É a constatação do fluxo constante da vida e dos seus vai-e-vens. Obrigado
2014! Que venha 2015!
Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
O melhor presente de Natal
Os presentes no Natal fazem
parte da nossa cultura. São símbolos de afecto e de pertença, possivelmente associados
ao gesto dos Reis Magos, acarretando uma tradição de celebração da família. Mas
ao longo dos tempos o ritual acabou confundido e contaminado por fortíssimos
apelos ao consumo.
Se isto é verdade entre
adultos, mais confuso é para as crianças, obrigando-nos a estar atentos ao que
se passa dentro delas e ao que lhes estamos a transmitir, enquanto modelo para
a vida. A criança, cada vez mais exposta ao meio consumista, vai expressando o
seu desejo de receber um certo presente, mas cabe-nos a nós ter a sensibilidade
de decifrar se o que é pedido é realmente uma escolha sua, algo que lhe trará
verdadeira satisfação, ou uma imposição/influência do ambiente envolvente
(media, grupo de pares, etc.). Ou seja, é importante perceber qual a real
motivação da criança quando pede determinado presente.
O que acontece frequentemente
é que a criança nem sempre pede um presente que seja verdadeiramente importante
para si. Repare-se que não é invulgar a criança ir mudando de ideia a cada anúncio
que passa na televisão, ou mesmo consoante aquilo que alguns amigos pediram
como presente. Mas esta dúvida é, na verdade, uma falsa dúvida. É fruto do
bombardeamento de informações que ela não tem maturidade emocional para gerir,
ou fruto da dificuldade em se conhecer a si mesma e aos seus desejos, imitando
os outros em alternativa. O que acontece depois é que, ao receber o presente, percebe
que afinal não o queria, e este acaba por ser posto de lado.
O melhor presente de Natal
(ou de outra coisa qualquer) é um presente que vai ao encontro do desejo autêntico
da criança e, em geral, esse desejo
está relacionado com os seus afectos mais íntimos e com a sua fase de
crescimento (e respectivos desafios). Assim, um menino que tem vários medos
pode pedir um conjunto de tanques e soldadinhos, uma menina que começou a montar
a cavalo pode pedir uma boneca cavaleira, ou uma criança que acha que ser
cientista pode pedir um microscópio. O exemplo não importa, mas ilustra que, em
todos os casos, o valor do presente em questão, para a criança, não é aleatório,
nem financeiro (pedir o presente mais caro), nem uma imitação, mas sim emocional.
Diz respeito às suas vivências: sejam medos, descobertas ou desejos. Isso é o
que deve conter num presente. O desejo deve ser o desejo da criança e não o
desejo do mercado ou de quem lhe dá um presente (ex: quero que o meu filho seja
médico portanto vou oferecer-lhe um estojo médico).
E se, no fim de tudo isto, o
presente não é possível por qualquer razão, basta dizer à criança sobre a
impossibilidade real de oferecer aquele presente. A vida é feita de limitações
e são esses limites que nos ensinam a esperar e que nos permitem sonhar e
desejar.
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
A Beleza das 'Cousas'
Se o que é belo para uns nunca será belo para outros, sendo a
beleza um dos conceitos mais subjectivos e voláteis da humanidade, o que é o
belo senão aquilo que nos faz felizes? O poema — Alberto Caeiro, com certeza.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
As Fronteiras da Intimidade
Fala-se muito da importância de
colocar limites às crianças. Esta expressão ficou bastante associada à
imposição de regras, deixando na penumbra outro tipo de limites, tão ou mais
importantes: a intimidade e a privacidade de cada um. A intimidade e a
privacidade são dois conceitos importantíssimos à estruturação psíquica do
sujeito, duas fronteiras básicas da individualidade do ser humano.
Dentro da mesma casa, ou seja, partilhando
espaços físicos, há tendência a confundir o espaço de cada um. Por vezes, os
adultos não sabem como é importante ter alguns cuidados, invadindo o espaço das
crianças, outras vezes, permitindo em excesso que a criança invada o seu
espaço. Se as crianças pudessem defender-se, diriam então: “Pressinto que há
coisas minhas que não te dizem respeito e que há coisas tuas que não quero
saber; que há momentos e lugares meus onde não podes entrar e momentos e lugares
teus que não quero presenciar. Eu ainda não sei muito bem o quê mas tu, que és
crescido, ajudas-me com esta tarefa?”
O filtro tem de ser, em primeiro
lugar, uma competência dos adultos. É importante respeitar a intimidade da
criança, ensinando-a, aos poucos, a reservar (e preservar) tudo aquilo que é
seu. Como se ensina isto? Pelo exemplo, como tudo o resto. Se uma criança está
na casa de banho, não há que irromper pelo espaço sem pedir licença. Criança ou
não criança, o respeito é o mesmo. E antes de entrar no quarto, não custa nada
bater à porta e perguntar: “Posso?” É que, por vezes, os adultos têm tanta
necessidade de controlar as crianças que as desrespeitam profundamente. Quantos
pais já terão lido o diário das suas meninas? Quantos pais já terão espiolhado
os telemóveis dos seus filhos? Quantos pais já terão desejado ser confidentes
absolutos dos filhos? Não havendo qualquer indício de problemas, para quê e
porquê fazê-lo?
Também os pais devem reservar para
si aquilo que é seu. Mas quando confrontados, muitos adultos respondem: “Eu
também não me importo que o meu filho entre no meu quarto sem bater, nem que queira
saber de tudo da minha vida. Não tenho nada a esconder.” Tudo bem. Mas não acham isso estranho? Não se trata de esconder, mas de valorizar o que é meu e poder
distingui-lo do que é do outro. De perceber que estas confusões em nada medem o
amor e os afectos, apenas revelam tentativas de controlar angústias que ora são
dos adultos, ora das crianças, e que é preciso contê-las de outra forma. Que
saibamos que amar o outro é respeitar a sua individualidade, permitir-lhe uma
existência diferenciada. Para isso, lutamos contra os nossos medos, se preciso.
Pelo direito a não se deixar invadir e respectivo dever de não invadir também.
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segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Olívia
Olha, vou começar! Espero que gostes! Era uma vez uma menina
chamada Olívia que vivia num grande palácio. Ela não era uma princesa mas era
uma menina muito rica, filha de uns pais muito ricos. No palácio havia todos os
luxos possíveis e imaginários e a
Olívia passava os seus dias entre cortinados de cetim e porcelanas chinesas,
escondendo-se e encontrando-se atrás de todos os objectos que pudessem servir
de esconderijo. Sim, não me interrompas, ela é que se encontrava a ela própria
porque não havia ninguém à procura dela! Deixa-me continuar a história. Um dia
a Olívia cansou-se de se procurar a si mesma e começou a criar teatros de
marionetas. Havia três personagens, três colheres de pau roubadas da grande
cozinha e transformadas no pescador, na mulher do pescador e na filha do
pescador. Mas a Olívia só tinha duas mãos para as três colheres de pau e a
plateia dos seus espectáculos (todos os bonecos que tinha) não era muito
participativa e também isso acabou por perder a graça. Por esta altura, a
Olívia descobriu os livros. Os livros tornaram-se a sua terceira grande
companhia. Pelas histórias dos outros a Olívia integrou a sua própria história
e coloriu os espaços em branco que ia encontrando. Sim, a Olívia assim não se
sentia só. Xiu, deixa-me continuar. Foi assim que a Olívia foi crescendo,
graças à sua capacidade de criar e colorir o seu próprio mundo, tão fisicamente
despido e tão simbolicamente rico. Foi assim que foi crescendo até poder
descobrir o mundo. Até perceber que fora do grande palácio existia um sem fim
de possibilidades e de plateias e de olhos interessados em si. E foi quando se
tornou mais parte do mundo que se sentiu mais zangada. Não, não é nada
estúpido. Foi porque cá fora começou a comparar a vida no palácio com outras vidas
e as pessoas do palácio com outras pessoas e percebeu que tinha perdido coisas
importantes pelo caminho, não te parece evidente? Desculpa, não queria ser
rude. Tomara eu que me fizessem tantas perguntas como tu fazes e que se
interessassem tanto como tu te interessas. Não, claro que não estávamos a falar
de mim, estávamos a falar da Olívia! Eu só estou a contar uma história!
Give Me Truth
Verdades esperam-nos, serenamente, ao longo do
caminho. Não têm a nossa urgência e por isso deixam-se estar, sabendo que tudo
tem um tempo mesmo que esse tempo nos pareça fora de tempo. O nosso tempo é
diferente do tempo do Universo. Não se sabe muito bem porquê mas é, quase
sempre, assim. Pois que seja. Que tarde, mas que chegue, essa coisa da verdade.
Outras vezes ela já se tinha mostrado, em sinais de fumo à beira da estrada, mas nós, distraidamente ou
propositadamente, não vemos. Mas aí o problema da verdade já não é o tempo que
ela demora mas sim a nossa incapacidade de olhar de frente para ela. Pois que
seja. Que se olhe tarde, mas que se olhe, por fim, para essa coisa da verdade. Como dizia Thoreau: "rather than love, than money, than faith, than
fame, than fairness... give me truth". Pois tudo o
resto, quando não assenta em verdade, não tem validade.
― Fotografia de Finn Beales, in Mývatn, Islândia
― Fotografia de Finn Beales, in Mývatn, Islândia
domingo, 23 de novembro de 2014
O conflito de gerações
Há
algum tempo a capa da revista Time apresentou-nos
a “Me Me Me Generation”,
categorizando a juventude actual como extremamente narcísica, individualista e
egocêntrica. Rapidamente se instalou a polémica perante essa capa que correu o
mundo. Em defesa dos jovens se diga que, por exemplo, é mais comum desenvolverem
comportamentos pró-ambientais do que um indivíduo de 50 ou 60 anos. Sendo o
planeta responsabilidade de todos, quem serão os mais individualistas? Há na
juventude, claramente, narcisismo e egocentrismo, o que é diferente de
individualismo. É que os dois primeiros estão intimamente ligados ao processo
de crescimento: narcisismo, porque a identidade própria está em construção e
necessita de ser reafirmada; egocentrismo, porque a imaturidade torna difícil
entender as coisas sob outros e diferentes pontos de vista que não o próprio. Mas
individualismo, atitude de não se preocupar com os outros, será uma acusação
injusta, pois se há coisa que caracteriza a adolescência é a sensibilidade social
e a busca de justiça. Vendo bem, quantos adultos não são igualmente narcísicos
e egocêntricos, tendo ficado suspensos no seu caminho de crescimento pessoal?
Acusações
mediáticas à parte há sempre tensão entre gerações. É com frequência que
opiniões públicas ou privadas a denegrir as gerações mais novas se fazem ouvir.
Porque se atacam tanto os jovens? Que os jovens possam criticar os “velhos” até
se entende, já que são eles os “miúdos”, inexperientes e justiceiros, para quem
é tão fácil apontar o dedo. Que os adultos respondam na mesma linguagem é que se
torna mais difícil de entender, pois deveriam ter algum entendimento sobre o
que ficou para trás. Será tão fácil esquecer o quanto as gerações sempre
chocaram entre si? Será tão difícil lembrar como os jovens de antigamente
também se diferenciaram dos seus pais? Tudo o que é diferente é estranho, mas
não necessariamente mau. O futuro o dirá.
Todas
as gerações são diferentes das gerações que as precederam. Se o mundo está em permanente
transformação como poderia ser de outra maneira? A verdade é que o ser humano
tem alguma dificuldade em responsabilizar-se pelo que acontece em seu redor mas
somos nós quem define a direcção em que se move o mundo. Para falar sobre
jovens, teremos de sempre de falar um pouco sobre quem foram os pais dos jovens
e de que cultura de valores foi criada para eles, seja em que época for. Se não
gostamos dos jovens que criámos teremos sempre de fazer um mea culpa sobre o mundo que construímos para eles.
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terça-feira, 4 de novembro de 2014
Das turbulências
Há dias que são como mares revoltos. Nesses dias, as emoções
são fortes. Porque tal como a agitação marítima traz à superfície coisas que
habitualmente estão no fundo do mar, a turbulência emocional invoca o que está
no mais profundo de nós, misturando tudo à superfície. Se o mar está agitado, mais cedo ou mais
tarde, enquanto combatemos as ondas e as correntes, vêm ao de cima os medos
mais remotos, as feridas mais antigas e as memórias mais bem guardadas,
fazendo-nos sentir ainda mais desamparados face às intempéries. O pânico pode
tomar conta. Felizmente, temos também acesso aos nossos recursos e bóias de
salvação que fomos armazenando durante o caminho. Afectos positivos,
aprendizagens e competências de toda a espécie que mobilizamos para combater
tudo o que de mau nos atormenta no meio da tempestade. Na certeza, sempre, que
nenhuma tempestade dura para sempre e que a impermanência das coisas é, nestes
momentos, uma característica muito útil da condição humana. Depois da
tempestade vem a bonança. Isso sim, invariavelmente.
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Tudo aquilo que pedires
Tem estado na moda uma tendência ligeiramente omnipotente que
diz que temos tudo aquilo que pedimos. Diz que de cada vez que nos erguemos, o
Universo ergue-se connosco. Começou, talvez, com 'O Segredo' e proliferou como
cogumelos. É uma abordagem da vida
mais 'mágica', com forte ligação a correntes energéticas e espirituais. Se é
exactamente assim ou não, não posso saber ao certo. O que eu sei e concordo é
que somos, sim, imensamente maestros da nossa vida e que a sinfonia também vai,
sim, correndo segundo indicação da nossa batuta. E as teorias dizem: Pede
alegria, terás alegria. Pede sofrimento, terás sofrimento. Pois aqui entra a
psicanálise: o problema disto tudo é que nem sempre temos consciência daquilo
que andamos a pedir. Por exemplo, o conceito e fenómeno de 'compulsão à
repetição' diz-nos que apresentamos uma tendência inconsciente para o regresso
às situações traumáticas da nossa vida, como tentativa de as resolver
internamente/emocionalmente. Como se quiséssemos corrigir uma experiência
passada. Não damos por isso. São coisas que se passam aquém da nossa
consciência. Não é algo que esteja sujeito a racionalização. Só quando, a dada
altura, em vez de nos queixarmos do nosso eterno azar (também lhe chamamos
karma), nos sai da boca ou do pensamento algo do género:
— "Porque é que me rodeio sempre das pessoas erradas?"
— "Porque é que me rodeio sempre das pessoas erradas?"
Ou então pensamos,
— "Se eu quero tanto ser independente porque é que continuo a depender dos outros?"
Ou ainda,
— " Se eu quero tanto ter uma relação sólida porque é que não consigo manter um relacionamento?"
Este é o primeiro passo em direcção à tomada de posse na nossa vida. Ou seja, enquanto não nos apercebermos que estamos presos a um padrão de funcionamento, queremos conscientemente ser felizes mas estamos inconscientemente a retornar ao lugar da dor. Enquanto maestros das nossas vidas, o nosso trabalho é questionar porque é que a orquestra está desafinada. Porque é que certas coisas nos acontecem. Com responsabilidade. Com coragem. É um dos trabalhos em psicoterapia e em psicanálise. Trazer à luz o que está no escuro. Somos, de facto, muito responsáveis. Muito mais responsáveis que o azar ou a sorte. Se calhar temos realmente o que pedimos. Então a questão que fica é: saberemos realmente o que andamos a pedir?
Os Grandes e Fortes
Big Tired Dog | Kyle MacKillop on VSCO Grid |
Os grandes e fortes também precisam de colo. Os grandes e
fortes não são sempre grandes e fortes. Ninguém pensa nisto mas os grandes e
fortes normalmente nunca tiveram sequer a hipótese de serem pequenos e frágeis.
Fizeram-se grandes e fortes pisando o seu lado mais pequeno e frágil. Fingindo que ele não existe
pois não podia mesmo existir. Os grandes e fortes estão habituados a cuidar dos
outros e por isso não podem dar-se ao luxo de precisar de alguém. É que ser
pequeno e frágil é quase uma espécie de luxo. Pois é, os grandes e fortes
também precisam de colo. Às vezes, precisam mais do que qualquer outro.
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
Os outros em nós e nós nos outros
I carry your heart (I carry it in
my heart)
Assim começa um dos poemas mais bonitos de E.E. Cummings (1952). E a seguir diz:
i am never without it (anywhere
i go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
No fundo é tão simples quanto isto, não é?
Quando o amor do outro mora dentro de nós, nunca estamos sós. Em psicanálise chamamos-lhes objectos internos. Mas o E.E. Cumming tem mais jeitinho. E é assim que aguentamos todas as ausências e separações e perdas.
E depois eu acho ainda que este poema fala de outra coisa. Fala também daquilo que é o meu trabalho, fala de trazer comigo (e dentro de mim) tantos corações que se cruzam comigo.
I carry your heart (I carry it in
my heart)
De me lembrar das pessoas tantas e tantas vezes fora do setting.
(anywhere
i go you go, my dear;
E ainda do quanto elas nos ajudam a ajudá-las.
whatever is done
by only me is your doing, my darling)
Tantos corações que carrego comigo. Tão bom!
my heart)
Assim começa um dos poemas mais bonitos de E.E. Cummings (1952). E a seguir diz:
i am never without it (anywhere
i go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
No fundo é tão simples quanto isto, não é?
Quando o amor do outro mora dentro de nós, nunca estamos sós. Em psicanálise chamamos-lhes objectos internos. Mas o E.E. Cumming tem mais jeitinho. E é assim que aguentamos todas as ausências e separações e perdas.
E depois eu acho ainda que este poema fala de outra coisa. Fala também daquilo que é o meu trabalho, fala de trazer comigo (e dentro de mim) tantos corações que se cruzam comigo.
I carry your heart (I carry it in
my heart)
De me lembrar das pessoas tantas e tantas vezes fora do setting.
(anywhere
i go you go, my dear;
E ainda do quanto elas nos ajudam a ajudá-las.
whatever is done
by only me is your doing, my darling)
Tantos corações que carrego comigo. Tão bom!
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
A Droga da Obediência
Em todo o mundo, pelo menos cerca de dez
milhões de crianças devem receber a prescrição para tomar comprimidos à base de
metilfenidato, uma substância química que actua como estimulante leve do sistema nervoso central, elevando o seu nível de alerta, como
uma espécie de anfetamina. O fármaco incrementa os mecanismos excitatórios
do cérebro, o que resulta numa maior concentração, coordenação motora e
controle dos impulsos. Tudo isto acontece por causa de um bicho-papão chamado
Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA), vulgarmente
designada pelo seu nome do meio, hiperactividade.
Reza a história que as crianças com
PHDA apresentam um padrão comportamental caracterizado, essencialmente, por um
persistente défice de atenção, excesso de agitação motora e, eventualmente, presença
de impulsividade. A hiperactividade está nas bocas do mundo. É fácil
perceber porquê, já que o “diagnóstico” de hiperactividade é um rótulo altamente
maleável e sobretudo conveniente, encaixando como uma luva nas crianças de hoje.
Em boa verdade, parece que dá jeito esquecer que, em primeiro lugar, as
crianças são naturalmente agitadas e impulsivas, em segundo lugar, que são por
vezes pouco regradas ou mesmo mal-educadas e, em terceiro lugar, que
normalmente a agitação motora e incapacidade de concentração são um sintoma de algum
mal-estar psicológico que exige uma leitura do que está por detrás.
Assim,
para professores e famílias em pânico e sem tempo para auscultar os sintomas do
corpo, existe o metilfenidato. Os médicos alinham e a indústria farmacêutica
agradece. Mas o efeito do metilfenidato nas pessoas está longe de
ser completamente pesquisado e nada se sabe sobre suas consequências a longo
prazo. Contudo, é receitado precisamente a crianças pequenas e, frequentemente,
ao longo de vários anos. O mais curioso é que poucos parecem importar-se com a constatação óbvia de que a dita “doença” não é curada através do
uso de medicação, mas apenas mascarada. O que importa é as crianças não maçarem muito no momento
presente e aprenderem tudo o mais rápido possível, independentemente de "gritarem" por todos os lados que não estão capazes para aprender. E assim que a aplicação do medicamento é suspensa, os sintomas
reaparecem imediatamente, e muitas vezes até surgem novos sintomas, mais
graves.
Hoje, muitos cientistas, psiquiatras e neurobiólogos já assumem que
o uso do metilfenidato foi vantajoso para muita gente, pois existindo uma PHDA,
não se responsabiliza quem quer que seja e retira-se um peso aos pais,
educadores e professores. Como profundo reflexo dos tempos modernos, se algo não funciona
bem, ingere-se um comprimido. Transformou-se em patologia aquilo que
remete, no fundo, para questões familiares e culturais. Ao medicarmos os
sintomas, excluímo-nos da responsabilidade diante dos novos desafios na
educação das nossas crianças. Escutar e observar o que cada criança quer dizer,
através de um comportamento tido como desajustado, será o único caminho para não
silenciar os conflitos inerentes à construção da vida.
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segunda-feira, 13 de outubro de 2014
Erosão
Antes de se ser areia, é-se seixo.
Cada um com sua cor e sua forma. Depois, vem a água, vem o vento, vem o sal, vêm todos os agentes de erosão, e os seixos vão perdendo tudo o que é tão seu e que por isso os distingue uns dos outros. Tornam-se, por fim, microscópicos e indistinguíveis grãos de areia.
Antes de se ser areia, é-se seixo.
E ser seixo é muito melhor que ser grão de areia.
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Leveza
Tamara de Lempicka - Beautiful Rafaela |
Ceely,
uma mulher volumosa de vinte e quatro anos com os olhos profundamente negros e
olheiras a combinar, estava inchada na proporção das tareias que tinha levado. Durante
os nossos primeiros encontros, ela esperava sentada na minha sala de espera e,
quando eu a ia buscar para a nossa sessão, ela sentava-se e agarrava-se com
força aos grossos braços de cerejeira da cadeira do consultório, acalmando-se
lentamente. (…) Numa voz que me fazia lembrar o delicado chilrear de um pequeno
e assustado pássaro ferido, Ceely espontaneamente referiu que estava “para lá
dos 150 quilos” e que era assim desde há anos. Rapidamente acrescentou que
tinha uma mãe que “a amava de verdade”. Depois, como que concluindo o discurso,
acrescenta: “Excepto quando a faço ver cores”. Estas palavras intrigantes,
senão mesmo enigmáticas, tornaram-se o assunto central da terapia de Ceely.
O
pai de Ceely não era um homem forte nem enérgico e encolhia-se perante as
fúrias da sua esposa. Por isto mesmo, oferecia pouca ou nenhuma protecção e
consolo quando o alvo destes ataques era a filha. O relacionamento especial que
Ceely tinha com o pai enfurecia a mãe. Tudo e mais alguma coisa irritava a mãe.
Ceely, porém, era o seu alvo favorito, por ter uma personalidade parecida com a
do pai e uma aparência física oposta à da mãe. Ceely era gorda e silenciosa. A mãe
era faladora e, embora os anos já lhe pesassem, ainda mantinha as curvas
sedutoras dos seus anos de modelo.
A
mãe de Ceely desejava obter a atenção que ao longo do tempo ela mesma tinha
perdido com as suas contundentes palavras de ódio. A sua mãe odiava a vida que
tinha e culpava toda a família pela sua infelicidade, e Ceely, por ser a mais
nova, tinha de a salvar desta vida atormentada. Ceely devia tornar-se na super modelo
e vedeta de anúncios que a sua mãe não tinha conseguido ser devido ao seu mau
temperamento e à sua violência. Se ela não tinha conseguido conquistar a luz
dos holofotes, tinha de ser Ceely a fazê-lo.
Mas
o peso de Ceely era o obstáculo directo às aspirações calculistas da mãe. Por
isso, cada vez que a mãe via Ceely entrar ou sair do chuveiro, era como que um
advertência e uma lembrança visual, alertando-a de que o seu sonho estava em
risco. Nessa altura, agarrava em bocados da pele de Ceely e espremia-os o mais
que podia. Estava literalmente a tentar remover a gordura do corpo de Ceely,
gritando: “Se tu não o perdes, eu tiro-to com as minhas próprias mãos.” A mãe
estava a ver “cores” – era assim que Ceely havia descrito este comportamento da
mãe, uma frase que eu interpreto como sendo o disfarce das fúrias psicóticas
daquela.
Ceely
continuou a descrever maneiras igualmente extremas, embora talvez de uma violência
menos evidente, empregues pela mãe com a intenção de mudar o seu corpo.
Clisteres, laxantes, períodos de jejum forçado durante dias a fio (…) Mesmo
assim, Ceely ganhou peso. Quanto mais a mãe tentava emagrecê-la, mais gorda ela
ficava.
Todas
estas experiências foram contadas pela voz vazia e inexpressiva de uma criança
que há muito deixara de estar no seu próprio corpo. As palavras não correspondiam
nem se ligavam aos traumas que ela descrevia. Em vez disso, estavam marcadas
pela resignação e ausência. Quanto mais ela falava, menos vida havia para ela sentir.
Depois
de cerca de seis meses de terapia em que houve muito pouco diálogo, perguntei a
Ceely porque me tinha contado a sua história e o que é que ela esperava de mim.
A minha questão apanhou-a de surpresa e ela respondeu-me que não sabia. Também
me deu a impressão que me via pela primeira vez em vários meses e comentou que
eu parecia perturbado. Com um olhar de pânico que atravessava a sua cara,
perguntou-me se eu estava zangado com ela, apontando para a minha camisa azul
molhada.
Eu
respondi: “Não, a verdade é que você me faz lembrar uma bela adormecida. Não
estou zangado consigo, mas sim com aquilo que lhe foi feito.” (…)
Ceely
contrariou: “Eu não sou nenhuma beleza. Você diz que não está zangado comigo,
mas está zangado o suficiente para fazer troça de mim.”
Respondi-lhe:
“Não a quis ofender. O que eu disse, para mim, é verdade. Acredito que você é
uma bela adormecida. Você não o reconhece, pois tem estado demasiado ocupada a
proteger-se das agressões da sua mãe. A sua raiva para com a minha observação
diz-me que ainda há vida em si e que o feitiço que silencia as suas emoções está
prestes a ser quebrado.”
Então,
num enredo semelhante ao de tantas outras relações traumáticas que descrevo nas
páginas deste livro, Ceely perguntou: “ Como pode criticar tanto a minha mãe?
Ela só estava a tentar ajudar-me a ficar mais bonita, magra e atraente. A culpa
de nada disto ter resultado e de eu parecer assim é minha. Para além disso, fui
eu que a deixei louca.”
O
verdadeiro trabalho de terapia de Ceely podia agora começar a sério: escrevendo
a sua própria história sem as mentiras, distorções e deturpações que tinha
ouvido sobre si mesma durante muitos anos.
Nos dois anos seguintes, explorámos a relação
que Ceely tinha com a sua mãe. Encorajada por mim, regressou várias vezes às
cenas que, até então, estavam desprovidas de memória pessoal e, aos poucos, em
cada novo recontar, emergiam melhor as suas verdadeiras emoções. O que
originalmente vira como sendo ajuda e orientação por parte da mãe, interpretava
agora como algo cruel, humilhante, perigoso e traumático.
(…)
Nos
avanços e recuos, descobrimos muitas lições juntos e aprendemos muito mais.
Chegámos à conclusão que o perdão é uma decisão própria e que é mais autêntica
quando pensada e reconhecida como paralela a emoções contraditórias. Perdoar
não é esquecer ou permitir a revogação da responsabilidade por actos de
violência ou crueldade. Mesmo sem a expiação da sua mãe, Ceely pôde atenuar a
sua influência, recusando-se a desculpar os seus comportamentos, a aceitar a
culpa por eles e a continuar a viver na vergonha que lhe fora incutida.
Definitivamente, perdoar não é suprimir a ambiguidade, a ambivalência, a raiva,
a mágoa ou até mesmo o desejo de justiça.”
(…)
Richard Raubolt in Cenários
Psicanalíticos do Trauma
domingo, 5 de outubro de 2014
Gesto Espontâneo
Enquanto não nos conhecemos ou não nos damos a conhecer
reunimos à nossa volta relações pouco verdadeiras. O que é natural porque assim
os outros também não sabem bem quem somos e portanto também têm o direito de se
enganar. Uma das melhores consequências de nos encontrarmos e de nos assumirmos tal e
qual como somos é o facto de vermos afastar-se quem então andou por perto ao
engano. Se queremos viver relações mais autênticas, as primeiras perguntas a
fazer são: Sei quem sou? Estou a mostrar-me como sou? E aí entramos num
processo de libertação de tudo o que não interessa, não só por fora como por
dentro. Cá dentro, entendemos por fim o que significa isso da 'liberdade de
ser'. O gesto espontâneo, como diria Winnicott. Não há maior alegria que a de
nos reconhecermos na nossa forma mais genuína e praticar a nossa verdade, não
mais nos importando com o julgamento alheio. Lá fora, um pouco mais de certeza
de que quem está, está de verdade e em verdade. O ciclo é simples: abrir o
coração e assumir a nossa verdade atrai mais amor e mais verdade; a verdade de
saber que quem está por perto nos conhece, nos ama e nos respeita. Já não há
grandes enganos a recear. Ficam os que querem manter-se por perto e esses, sim,
são bem-vindos. Bom domingo!
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terça-feira, 30 de setembro de 2014
Pontes e Muros
Enquanto engenheiros de nós mesmos, ora construímos pontes, ora construímos muros. Pontes ligam. Pontes são elementos de comunicação, colaboração e relação. Pontes são apertos de mão, são abraços. Pontes funcionam como um sim. Porém, nem só de pontes se faz o Homem. Os muros permitem-nos estabelecer fronteiras. Muros são limites, são critérios, são travões. Muros são um "chega para lá". Muros funcionam como um não. Oscilamos (e ainda bem) entre pontes e muros, entre a aliança e a ruptura, entre o sim e o não. O instrumento que nos ajuda a aferir o que é necessário construir em cada momento tem, para mim, nome de livro: sensibilidade e bom senso.
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
Pedir Desculpa: Fácil, Difícil ou Impossível?
Pedir desculpa nem sempre é fácil. É que este
acto acarreta ramificações psicológicas que vão além da palavra em si. Embora
possamos justificar a relutância em pedir desculpa com orgulho, por norma há
uma dinâmica psicológica muito mais profunda e complexa.
Ao contrário do que parece, recusarmo-nos a pedir
desculpa não reflecte uma “personalidade forte” mas sim, pelo contrário, um esforço para nos
protegermos das nossas fragilidades e de angústias fundamentais (conscientes ou
inconscientes). Comecemos:
- Admitir que se fez algo errado pode ser sentido
como ameaçador quando se confunde acção
e carácter: como se aquilo que
fazemos definisse totalmente quem somos. Por exemplo, confundir um erro ou
uma negligência com estupidez ou ignorância. Nestas circunstâncias, quando
se pensa desta forma, as desculpas representam naturalmente uma grande
ameaça para o nosso sentido básico de identidade e auto-estima.
- Pedir desculpa pode abrir as portas ao sentimento
de culpa ou ao sentimento de vergonha. E enquanto a culpa faz-nos sentir
mal relativamente às nossas acções, a vergonha faz-nos sentir mal em relação
à nossa pessoa, o que faz dela uma emoção muito mais tóxica que a culpa. Mais
uma vez, encontramos aqui uma confusão entre acção e carácter.
- Embora o pedido de desculpa seja uma oportunidade
de resolver um conflito, quem não consegue fazê-lo normalmente receia o
inverso: que abra um precedente para outras acusações e mais conflitos. E
embora haja pessoas que efectivamente não aceitam o pedido de desculpa
como reparação, as pessoas mais saudáveis não utilizam um momento de
sinceridade e humildade para humilhar ou enxovalhar o outro, pois aí o
problema já não é de quem pede desculpa, mas sim de quem não sabe
aceitá-las.
- A dificuldade de pedir desculpa esconde ainda o
receio que fazê-lo signifique assumir a responsabilidade total do assunto
e libertar a outra parte do seu quinhão de responsabilidade. Aqui, há uma
confusão entre as partes e o todo. Uma história tem sempre dois lados e
cada um deve olhar para o seu.
- A recusa em pedir desculpa é, ainda, uma
forma de manter as emoções sob controlo. Há o receio que, ao “baixar a
guarda”, as defesas psicológicas se desmoronem e abram as portas a uma
cascata de sentimentos desconfortáveis. Mas a verdade é que, quanto mais
nos abrimos perante o outro, quanto mais honestos e autênticos formos,
mais saudáveis nos tornamos, e mais saudáveis as relações em nosso redor.
Viver de espada em riste é um tremendo cansaço e uma ardilosa armadilha.
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segunda-feira, 15 de setembro de 2014
No fim vai tudo dar ao mesmo
"Eu penso assim. Eu penso assim. Mas
quero perceber o que tu pensas. Eu sinto assim. Mas quero ouvir o que tu
sentes. E tu, queres saber o que eu penso? Queres saber o que eu sinto?" É
que uma das poucas certezas que podemos ter é que poucas coisas são certas. Por
'certas', entenda-se, verdades absolutas. Exceptuando talvez o mundo matemático
(ciência dita exacta em que 2 + 2 são sempre 4). Tirando isso e pouco mais, a
leitura que fazemos da vida, das pessoas e das situações é apenas a nossa
leitura. Por mais objectivos que tentemos ser, ela é sempre fruto de quem somos
e do que vivemos. Dos 'óculos' que usamos. É, por isso, preciso cada vez mais
interesse e respeito pela opinião do outro ao invés de viver em campos de
batalha entre o que eu penso e o que tu pensas, o que eu sinto e o que tu
sentes. Entre o 'certo' e o 'errado'. O que é isso de querer ter razão? Os
conflitos surgem da incapacidade de ouvir e entender a perspectiva do outro. É
preciso respeito. E depois, já agora, flexibilidade. É preciso descentrarmo-nos
dos nossos umbigos. E o mais simples e paradoxalmente complexo de tudo isto é
perceber que no fim de contas o que é mesmo preciso é amar o outro. O amor pelo
outro implica sempre o respeito pela diferença.
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Piscos e Catrapiscos
Os tiques consistem na execução súbita
e involuntária de um movimento, de forma repetida. Vêem-se com muita frequência
em crianças, mas são também vulgares em adultos. Desde os cabelos aos dedos dos
pés, todo o corpo pode ser “usado” para a manifestação dos tiques. Os tiques do
rosto são os mais frequentes: piscar os olhos, franzir o nariz ou as
sobrancelhas, movimentos da língua ou do queixo. Há também tiques ao nível do
pescoço, braços, mãos, dedos e inclusivamente tiques respiratórios (fungar,
assoar-se, tossir, assobiar) ou fonatórios (estalar da língua, grunhidos). Na
maioria das vezes surgem com a entrada na idade escolar (6/7 anos).
O tique vem aliviar uma tensão, embora
o próprio tique seja, muitas vezes, causador de vergonha, culpa e mal-estar,
por não ser muito bem tolerado por nós e pelos outros. Isto só acontece quando
desconhecemos que o que importa verdadeiramente é perceber que o tique “fala”,
ou seja, tem um significado que não pode ser ignorado. É sinal de mal-estar. No
início, pode ser apenas uma reacção a uma ansiedade passageira e pode
desaparecer tão espontaneamente como surgiu. O que significa que a pessoa foi
capaz de ultrapassar algum conflito ou tensão interior. No entanto, no caso de
duração prolongada ou substituição recorrente de um tique por outros tiques, é
necessário uma abordagem mais aprofundada que permita entender o que corre mal
ao nível das emoções. Há algo dentro de si que a criança (ou adulto) não está
conseguir entender e/ou resolver.
Assim, a durabilidade do sintoma-tique
permite perceber que estamos já na presença de uma estrutura psicológica de
natureza ansiosa e não apenas de uma reacção pontual. Por vezes, os tiques representam
uma tentativa muito forte de autocontrolo destas emoções difíceis, mas como a
tarefa é árdua leva-nos a descarregar o peso de outra forma qualquer. Não é
raro que crianças/adultos com tiques manifestem perfeccionismo e rigor na sua
conduta. É que algo está aprisionado, mas precisa de sair. Algo está a ser
contido a elevado custo dentro de nós e clama por uma forma de ser expressado.
Não é tentando reprimir o tique que iremos resolvê-lo, muito pelo contrário. Já
há muita coisa a ser reprimida e daí aparece o tique. Há que olhá-lo como uma expressão
de ansiedade/conflito e tentar descobrir o seu significado simbólico que será, sempre,
variável consoante a história de vida de cada um de nós.
Lambreta
Vem dar uma voltinha na minha lambreta
E deixa de pensar no tal Vilela
Que tem carro e barco à vela
O pai tem a mãe também
Que é tão tão
Sempre a preceito
Cá para mim no meu conceito
Se é tão tão e tem tem tem
Tem de ter algum defeito
― António Zambujo
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
terça-feira, 9 de setembro de 2014
Galileu, as Estrelas e a Lua
A propósito da lua cheia de hoje, apresento o desenho de Galileu das fases da lua (1616).
Galileu, o corajoso, que ao contrário da maioria não temia aquilo que não entendia. A sua paixão pelo conhecimento era maior que o medo do desconhecido. Disse ele: "Amei as estrelas com demasiada afeição para estar temeroso da noite."
domingo, 7 de setembro de 2014
Muitos mergulhos e poucas respostas
O Verão, rapazes ― como disse C. Adams ―
implica uma insistência nos mergulhos
e uma desistência breve das respostas.
Importante é passar a mão pelas escarpas,
afagar o pescoço das andorinhas do mar,
verificar o oxigénio no tubinho de plástico
que ajuda a respirar na cala azul turquesa
e permitir que o Senhor ressuscite o sangue
dos espadartes todas as manhãs de 29ºC.
Estas são as tarefas que devem ser realizadas
e ― como disse Adams ― bom mesmo é chegar
ao fim da estação sem nenhuma resposta.
― Matilde Campilho, Um coração que mora dentro do olho do jaguar
implica uma insistência nos mergulhos
e uma desistência breve das respostas.
Importante é passar a mão pelas escarpas,
afagar o pescoço das andorinhas do mar,
verificar o oxigénio no tubinho de plástico
que ajuda a respirar na cala azul turquesa
e permitir que o Senhor ressuscite o sangue
dos espadartes todas as manhãs de 29ºC.
Estas são as tarefas que devem ser realizadas
e ― como disse Adams ― bom mesmo é chegar
ao fim da estação sem nenhuma resposta.
― Matilde Campilho, Um coração que mora dentro do olho do jaguar
sábado, 6 de setembro de 2014
Opinião só não muda quem não tem
Não é raro encontrarmos pessoas incapazes de
mudar de opinião mesmo quando os factos mostram que estão enganadas. Outras
vezes, não é raro observar-se alguma dificuldade em assumi-lo, quando acontece.
Há quem lhe chame teimosia. No entanto, não usamos palas como os burros e,
assim sendo, não precisamos de olhar só em frente, podendo utilizar a visão
periférica para alargar perspectivas. Tristemente, mudar de opinião está muitas
vezes associado a incoerência e a falhas de carácter, contrariamente à citação
de Mário Quintana que originou o título desta reflexão. É encarado como falta
de personalidade. Como se a personalidade não fosse ela mesma construída ao
longo do tempo. Como se o certo fosse mantermo-nos rígidos e formatados do
princípio ao fim. Como se, desde o nascimento até à morte, a vida não fosse um
processo de transformação e evolução constante.
Quantos educaram os seus filhos de uma forma e
hoje gostariam de os ter educado de forma diferente? Quantos começaram a sua
vida com determinados ideais políticos e hoje pensam de outra forma? Quantos alteraram
as suas crenças religiosas com o passar do tempo? Quantos se envolveram em
projectos pessoais e desistiram ao perceber que não iriam a lado nenhum? Ainda
bem que assim acontece.
Perante evidências de que aquilo em que
acreditamos não nos conduz a bom porto ou já não faz sentido, não é inteligente
permanecer no engano. Os factos são soberanos e frequentemente chega a hora de
revermos até as nossas mais caras convicções.
O apego exagerado às ideias faz-nos portadores de mentes endurecidas e
cristalizadas. O pensamento é uma função plástica e pobre daquele que fica
confinado a uma crença eterna e inquestionável.
Por vezes, essa mudança de pensamento parece difícil
de concretizar. São demasiadas resistências. Do latim resistentia, que significa oposição, obstáculo, reacção ou defesa. De facto,
defendemo-nos da maioria das mudanças. Externas e internas. Persistimos com
frequência, até porque temos uma certa tendência à repetição. E o familiar é
sempre mais confortável que o desconhecido.
Viver é ter incertezas. Percebemos o quão difícil isto pode ser, pois ao
abandonarmos as nossas antigas convicções, perdemos o referencial que sempre
nos guiou. E nem sempre dispomos imediatamente de conceitos novos e mais
adequados, ou seja, por um tempo, conviveremos com dúvidas. Se isto não me faz
mais sentido então qual será o caminho?
Para
poder viver em paz com o permanente processo de aprimoramento e mudança é
preciso aceitar o convívio com as dúvidas e a angústia que elas causam. E posto
isso, felizes os que mudam de ideias, pois questionam o sentido das coisas e
pensam sobre o que lhes faz ou não sentido.
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Transformação
Interiores
Gosto de interiores. Talvez porque as casas espelham a alma de quem lá mora. Não se quer demasiado cheia nem demasiado vazia. Talvez assim na exacta medida do que se precisa e do que se dispensa. É necessário saber guardar e igualmente importante deixar partir. Algures nesse equilíbrio está o interior 'perfeito'. O nosso e o da nossa casa.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
Conversas nas Entrelinhas
— Mãe, fazes-me companhia até eu adormecer?
— Sim, filho. Ficarei contigo até ao dia em que fores crescido o suficiente para já não precisares de mim para adormecer.
— Obrigado, por me ajudares com os meus medos de pequenino. Um dia quando for grande vou ser o maior e o mais forte e lembrar-me-ei da tua paciência. E estarei lá para ti quando precisares.
terça-feira, 2 de setembro de 2014
Dignidade
sábado, 30 de agosto de 2014
Vida Interna
"Nunca estou só", dizia-me ele, já velho. "Estou sempre com os meus pensamentos". E tinha ainda a música.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Curiosidade, Motor de Expansão
A curiosidade é um dos indicadores de saúde mental. Sinal de
mente em expansão, insaturada, que quer conhecer e perceber mais e melhor o
mundo em que se insere. O seu e o dos outros, ou seja, o nosso mundo interno
(os nossos desejos, sonhos e angústias) e o mundo interno
dos outros (na medida em que é possível conhecer aqueles que nos rodeiam). E
ainda conhecer o mundo propriamente dito, a chamada realidade e suas
manifestações: cultura, política, ciência ou geografia. Tanto há para conhecer que
é de estranhar quando não há o menor sinal de interesse em perceber um pouco
melhor este lugar (mente, corpo e planeta) onde moramos. Nas crianças, a
curiosidade é um acto espontâneo. Pelo menos, até ao dia em que seja castrado.
Pois nem sempre a curiosidade infantil é bem recebida e quando assim é, a mente
começa a definhar ainda antes de se poder expandir. Perguntar é sinal de
reflexão. Querer saber é indicador de entusiasmo. Estudar, experimentar e
pensar são os promotores da evolução. Se assim não fosse, se nos bastasse a
rotina mecânica de um quotidiano qualquer, ainda hoje viveríamos nas cavernas,
sem fogo, sem roda e sem nada do que hoje conhecemos.
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Respirar
Não somos máquinas, somos pessoas. É importante poder respirar. Entre tarefas, entre assuntos, entre relações. Num mundo que bate palmas àqueles que vivem em "modo TGV" (que vivem um dia com 24h como se ele tivesse 36h) é difícil fazer crescer esta ideia, mas que fique a semente, pois em solo fértil, germinará.
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